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3 de outubro de 2017

leitura em dia # 19

Li esta crónica no âmbito do programa escolar de Português para o nono ano.
Nunca foi segredo que António Lobo Antunes é um dos meus escritores preferidos.
É direto.
Seco.
Por vezes decadente.
Criativo.
Imaginativo.
Genial.
Sonhador.
Admirável.

Deixo-vos aqui com Subsídios para a Biografia de António Lobo Antunes.


Julgo que herdei do meu avô o gosto de me sentar calado, a olhar. Ele fazia-o no jardim. Como não tenho jardim faço-o em casa, nos bancos da rua, nos parques, nos centros comerciais. Durante a Faculdade, mal acabava a aula na morgue, descia à avenida da Liberdade e, nádega para a direita, nádega para a esquerda, conquistava um espacinho de tábuas entre dois reformados. Os reformados falam pouco e eu também. Só me faltava a pantufa do pé direito, o cigarro de mortalha e a bengala. Normalmente era o último a ir-me embora. De bata nos joelhos via a cidade iluminar-se. Os pombos emigravam para o telhado do anúncio Sandeman, um homem de chapéu e capa, com um cálice de vinho do Porto. Na minha opinião, adquirida pelos cinco ou seis anos de idade, nunca existiu nada mais bonito. Gostava de Mandrake porque se parecia com ele: “Mandrake fez um gesto mágico e...”. Ao erguer o cálice o anúncio Sandeman fazia um gesto mágico e a noite aparecia. Este milagre quotidiano continua a encantar-me. Além disso havia as frontarias dos cinemas e as lâmpadas a correrem à volta dos nomes dos atores: Esther Williams, Joan Fontaine, Lana Turner. Concebi por Lana Turner uma paixão absoluta, exclusiva. Em momentos de desânimo quase penso que me não retribuiu. Mas o desânimo, claro, é passageiro, e o cabelo platinado, as sobrancelhas evasivas desenhadas a lápis, em semicírculos perfeitos, os vertiginosos decotes de cetim, o baton escarlate, tudo me garante um amor eterno, eternamente partilhado. A filha matou o gangster Johnny Stompanato, seu suposto amigo
(nunca o amante, o amante era eu)
e ainda hoje lhe estou grato por isso. Usou a faca da cozinha onde Lana Turner, aposto, fazia salsichas com couve lombarda, o meu almoço favorito, a pensar em mim. Também não me agradava que beijasse os outros nos filmes. Mas talvez fosse melhor dessa maneira porque, se chegasse a casa com baton e me desculpasse à minha mãe
- Foi a Lana Turner, anda perdida aqui pelo rapaz
receio que ela não levasse em gosto a hipótese,
qual hipótese, a certeza
de o filho de onze anos casar com uma divorciada, porque isso afastava a cerimónia da igreja e nós éramos católicos.
O argumento
- Uma divorciada, filho
abalava-me. Tentei discutir o assunto com Lana Turner, ela no écran e eu no segundo balcão
- A minha mãe vai pôr problemas por a senhora ser divorciada
um espetador, três filas adiante, mandou-me calar, mas percebi que enquanto Jeff Chandler a abraçava Lana Turner disse que não com  a cabeça antes de cerrar as pestanas compridíssimas
(não com deleite, por ofício apenas, quem era Jeff Chandler, de cabelos brancos, ao pé de mim, em calções?)
assegurar-me que ela mesma falaria lá em casa da inevitabilidade do nosso matrimónio enquanto Nat King Cole, cantando, em fundo,. Imitação da Vida, dissolvia as últimas resistências de uma educadora preocupada sem motivo. Aliás tentei uma conversa exploratória aproximei-me com desenvoltura do tricot, toquei-lhe no braço, a minha mãe deixou de contar as malhas
- O que foi?
anunciei num tonzinho casual
- Acho que Lana Turner e eu estamos noivos.
a minha mãe voltou a contar as malhas, setenta e seis, setenta e sete, setenta e oito
- Ai sim?
prova de que aceitava o facto sem discutir, virei para o meu quarto, anunciei à minha noiva, de casaco de peles num cartaz da parede
- Já está
e oficializei o compromisso com um anel de alumínio que me saiu na prenda do bolo-rei. Devo acrescentar que foi uma união feliz, sem manchas, até encontrar Anne Baxter, aos doze anos, n' Os Dez Mandamentos, mulher de Yul Brynner, o Faraó, e apaixonada por Moisés-Charlton Heston. Afastei Yul Brynner e Charlton Heston com um piparote e esqueci Lana Turner. Não terá sido bonito porém a alma humana é impiedosa. Temi a reação da minha mãe, que morava há séculos com o meu pai e presumi conservadora. Expliquei-lhe o assunto a medo, tocando no braço do tricot. Felizmente ela, criatura evoluída, limitou-se a perguntar
- Ai sim?
a acrescentar
- Se não paras com essa vida de playboy enganou-se no pulôver e a distrair-me de mim.
Virei para o quarto, participei a Anne Baxter, pregada com quatro tachas à parede, no ex-lugar de Lana Turner
-Já está
Yul Brynner e Charlton Heston, bons perdedores, aceitaram resignadamente o facto, reparei inclusive que Yul Brynner a beijava com menos intensidade no filme.
a vida é assim, não vale a pena contrair sentimentos 
com Charles  Heston  não me preocupei por aí além dado que falece diante da Terra Prometida e, Anne Baxter e eu só nos separámos em Eva, quando compreendi a horrível maldade do seu carácter, ao fazer sofrer Betty Davis que se parecia com a minha avó. Em desespero de causa tentei voltar para Lana Turner que desaparecera dos cinemas com o desgosto que lhe dei. Se a encontrarem digam que estou arrependidíssimo e que peço desculpa. Digam também que telefone para casa dos meus pais. Deve estar por lá um miúdo de anel de bolo-rei no dedo que recebe a chamada.

19 de setembro de 2017

leitura em dia # 18

O último livro que li nas férias foi o genial The uncommon reader de Alan Bennett.
Na realidade, não o li.
Devorei-o.
Devorei-o num só dia.
A história é fantástica e até me identifiquei com a personagem principal, a rainha de Inglaterra em pessoa.
Certo dia, a rainha encontrou uma biblioteca ambulante nas imediações do palácio e descobriu o prazer da leitura.
A sua vida e a dos que a rodeavam mudou a partir daquele momento.
Passou a preocupar-se mais com os outros e tinha a necessidade de recuperar o tempo perdido e ler incansavelmente.
Claro que a rainha não contava que o seu entusiasmo pela leitura a desviasse de todos os seus compromissos.
Ficava absorvida pela leitura e desleixava-se de tudo o resto.
Tudo passou a entediá-la.
Quando saía à rua no seu coche, para premiar as multidões com acenos aristocráticos, não conseguia parar de ler. Era necessário alguma perícia para conseguir fazer as duas tarefas ao mesmo tempo, mas a rainha estava à altura desse desafio.
Havia alturas em que desejava nunca ter aberto um livro, mas era tarde demais.
Um dia, começou a escrever e a pôr os seus pensamentos em papel.
Não queria apenas ser uma leitora, um mero espectador que assiste ao desenrolar da ação.
Sempre que estava a escrever, estava a "fazer" algo.
Sentia que esse era o seu dever e sempre foi muito boa a cumprir os seus deveres.
No dia em que fez oitenta anos, deu uma festa no palácio e convidou muita gente.
Comentou, então, que tinha vontade de escrever.
Por vezes, a escrita poderia desviar a atenção dos poderes da realeza e houve escritores que tiveram mesmo de abdicar do trono para fazê-lo.
Oh, did I not say that? But... Why do you think you're all here?
E assim terminou a história.

6 de setembro de 2017

leitura em dia # 16

Um dos últimos livros que li, nestas férias, foi O Cavaleiro da Dinamarca, de Sophia de Mello Breyner Andresen.
Na realidade, e fica aqui entre nós, não morri propriamente de amores pela obra.
Aliás, a história principal era constantemente cortada e recortada por pequenas tiras de estórias secundárias e isso aborreceu-me imenso.
À exceção da primeira subestória, sobre a qual me debruço aqui, não apreciei muito as restantes.
Deixo-vos com o resumo da obra.
Há dezenas e centenas de anos, na Dinamarca, havia uma grande floresta onde morava um Cavaleiro com a sua família. A maior festa do ano era no inverno, na noite de Natal, em que havia sempre azáfama em sua casa.
Certo Natal,  aconteceu algo inesperado.
Terminada a ceia, avisou que, dali a um ano, partiria em peregrinação à Terra Santa para passar o Natal seguinte na gruta onde Cristo nascera. Também ele queria rezar ali. Partiria na primavera seguinte e, dali a um ano, estaria em Belém. Após o Natal, regressaria novamente e, daquele dia a dois anos, estariam reunidos.
Naquela altura, ir da Dinamarca à Palestina era uma grande aventura.
O Cavaleiro chegou à Palestina e seguiu para Jerusalém.
No dia de Natal dirigiu-se para a gruta de Belém onde rezou toda a noite.
No final de fevereiro, partiu para o porto de Jafa, onde foi obrigado a esperar pelo bom tempo; só embarcou em meados de fevereiro.
Finalmente, chegou à cidade de Ravena, nas terras de Itália.
O Mercador disse ao Cavaleiro para ir com ele até Veneza e assim foi.
O Cavaleiro nunca tinha imaginado que pudesse existir no mundo tanta riqueza e tanta beleza.
O Mercador alojou-o no seu palácio. Do outro lado da varanda via-se um palácio onde morava Jacob Orso.
Antigamente, também tinha morado ali Vanina, a rapariga mais bela de Veneza. Ainda criança, Orso prometeu-a em casamento a um parente seu chamado Arrigo. Quando ela fez dezoito anos, não quis casar com ele, pois era velho, feio e maçador. Então, o tutor fechou-a em casa e nunca mais a deixou sair senão em sua companhia, ao domingo, para ir à missa. Durante os dias, suspirava e bordava. À noite, debruçava-se na varanda do seu quarto e penteava os cabelos loiros e compridos. Os jovens rapazes de Veneza vinham ver Varina pentear-se, mas nenhum se aproximava, pois Orso anunciara que mandaria apunhalar aquele que ousasse namorá-la. Um dia, chegou a Veneza um belo homem que não temia Jacob Orso. Chamava-se Guidobaldo e era capitão dum navio. Certa note, Guidobaldo viu Vanina a pentear os cabelos e apaixonou-se. Passado um mês, foi bater à porta do tutor pedir a mão de Vanina. O homem deu-lhe um dia para sair da cidade. Nessa mesma noite, os dois afastaram-se numa gôndola e sumiram no nevoeiro de outubro. Na manhã seguinte, o navio de Guidobaldo já tinha desaparecido. Vanina e Guidobaldo casaram e nunca mais foram encontrados.
Esta estória termina e continua, novamente, a narrativa do Cavaleiro.
Em conversas, festas, ceias e passeios passou-se um mês e, dali a três dias, o dinamarquês deixou Veneza montado num cavalo. Aconselhado pelo Mercador, a meio da viagem para Génova,  resolveu fazer um desvio para Florença.
No princípio de maio, chegou a Florença e procurou a casa do Banqueiro, onde ficou hospedado.
Ali, ao contrário da sua terra, os homens falavam sabiamente de matemática, astronomia, filosofia, estátuas antigas, pinturas, poesia, música, arquitetura.
Mais uma vez, interrompe-se a narrativa principal para ouvirmos a estória de Giotto, um pintor discípulo de Cimabué, o primeiro pintor de Itália.
Mais à frente, é-nos igualmente relatada a estória de Dante, um amigo de Giotto que ele retratou e que foi o maior poeta de Itália.
O Cavaleiro, maravilhado, resolveu demorar-se mais algum tempo naquela cidade.
Passou um mês.
Dentro de três dias, partiu mas, a pouca distância de Génova, adoeceu.
Foi bater à porta de um convento e, após cinco semanas de descanso, continuou o seu caminho. Dirigiu-se para Génova.
Era final de setembro e todos os navios que seguiam para a Flandres já tinham partido.
Resolveu seguir viagem por terra, a cavalo, até Bruges.
Depois, dirigiu-se para Antuérpia, onde foi recebido pelo Negociante flamengo, em sua casa. Lá, um dos capitães dos seus navios começou a falar das suas viagens e mais uma estória começa.
Em novembro, partiu.
Caminhou durante longas semanas.
Na véspera de Natal, ao fim da tarde, chegou a uma pequena povoação que ficava a poucos quilómetros da sua floresta. Aí, foi recebido com grande alegria pelos seus amigos que o julgavam perdido. Emprestaram-lhe um cavalo e, na madrugada seguinte, dia 24 de dezembro, partiu.
Chegou à pequena aldeia dos lenhadores e partiu novamente.
Às páginas tantas, o nosso heróis estava, irremediavelmente, perdido.
Para piorar a situação, apareceram lobos.
O dinamarquês rezou e, na massa escura dos arvoredos, cresceu uma pequena claridade.
Tudo brilhava.
Apercebeu-se de que não era uma fogueira.
Era a clareira de bétulas onde ficava a sua casa.
Os anjos do Natal tinham-na enfeitado com dezenas de pequeninas estrelas para o guiar.
É por isso que, na noite de Natal, se iluminam os pinheiros.
Vitória, vitória, acabou-se a história!

1 de agosto de 2017

leitura em dia # 15

Este verão comprometi-me a ler O Rapaz de Bronze e O Cavaleiro da Dinamarca, de Sophia de Mello Breyner.
Comecei pelo último, O rapaz de Bronze.
Esta obra mágica fala de um jardim maravilhoso onde viviam muitas flores diferentes e onde nasceu um gladíolo ainda mais mundano do que todos os outros gladíolos. 
Certa altura, o Gladíolo passou perto da casa onde vivia e espreitou uma festa por uma janela aberta. Ficou deslumbrado e teve a ideia de dar uma festa, não de pessoas, mas de flores, à noite, no jardim. Porém, havia uma condição: o Rapaz de Bronze tinha de dar licença, pois era ele quem mandava por aquelas bandas à noite. 
Num lugar sombrio, solitário e verde, numa ilha muito pequena, havia uma estátua que era um rapaz feito de bronze. Durante o dia, o Rapaz de Bronze não se podia mexer, porque era uma estátua, mas durante a noite falava e mandava naquela extensão de terreno, nas árvores e nos animais. Ele era o senhor do jardim e o rei da noite.
O Gladíolo pediu-lhe aquele favor e o Rapaz de Bronze teve pena e deixou-o fazer a festa na noite seguinte.
O Gladíolo tratou dos preparativos. Convidou as famílias das flores, arranjou o sítio para a festa - a clareira dos Plátanos - , a orquestra e a ornamentação.
Todos combinaram que teriam de pôr uma pessoa na jarra de pedra, a Florinda, que era filha do jardineiro e tinha sete anos e era parecida com todas as flores. 
Quando o rouxinol perguntou a Florinda se queria ir a uma festa maravilhosa, ela respondeu que tinha medo. Nisto, o Rapaz de Bronze sossegou-a e disse que tomava conta de si.
Finalmente, a festa começou. 
Todos dançavam, menos o nosso Gladíolo, que estava preocupado com o atrasado da Tulipa. Quando esta chegou, muitos a convidaram a dançar, mas ela dizia sempre que não. Apenas o Gladíolo ficou a seu lado. Quando o Nardo a convidou para dançar e ela aceitou, o Gladíolo ficou indignado e preocupado com o seu perfume demasiado forte. Às páginas tantas, o Nardo deixou a Tulipa para ir atrás do perfume da Flor do Muguet e a Tulipa não dançou mais.
Entretanto, o Rapaz de Bronze contou um segredo a Florinda: "Quando tu vires uma coisa, acredita nela, mesmo que todos digam que não é verdade." A menina ainda não sabia, mas era um segredo muito importante.
O canto do galo anunciou o fim da noite e, num instante, todas as flores desapareceram.
De manhã, a Florinda lembrou-se da festa. Então, no recreio, contou tudo às suas amigas, mas fizeram troça dela. Florinda começou a pensar que talvez tivessem razão. 
Quando encontrou o Rapaz de Bronze e ele não se mexeu, pensou que tudo não tinha passado de um sonho. 
Passaram muitos anos. 
Florinda cresceu e quase se esqueceu daquela festa. 
No ano em que fez quinze anos, chegou ao jardim do Rapaz de Bronze. Ele estendeu uma mão e disse: "Florinda, lembras-te de mim?"
 E ela lembrou-se. Deram as mãos e foram os dois através do jardim.
Achei a história encantadora e o fim trocou-me as voltas. A história do Gladíolo deixou de ser importante, afinal de contas. Apenas foi um pretexto para uma história maior, a do Rapaz de Bronze e da Florinda, a história de uma amizade pura e verdadeira, em que os segredos contam verdades inestimáveis.

11 de maio de 2017

leitura em dia # 14

A última obra que tive pela frente foi A Fada Oriana, de Sophia de Melo Breyner.
Na realidade, este foi o primeiro livro a sério que li na vida, andava eu na terceira classe.
Achei-o verdadeira e inequivocamente mágico.
Devorei-o.
Depois disso, voltei a lê-lo algumas vezes, há muitos anos. Provavelmente décadas, mas adiante.
Posso dizer-vos que a história é deslumbrante.
Que fala de uma fada boa, a fada Oriana, que fez uma promessa à Rainha das fadas que consistia em tratar dos animais, das plantas e dos homens que viviam na floresta.
Assim, tinha de tomar conta do moleiro, do lenhador, da velha que era quase cega, do homem muito rico e do poeta.
Certo dia, a fada encontrou um peixe que estava fora de água e salvou-o.
Nesse instante, viu o seu reflexo na água do rio e apaixonou-se pela sua própria imagem.
Passaram-se meses e a fada apenas se contemplava nas águas do rio e apreciava a sua beleza infindável.
Aos poucos, foi-se desviando das suas tarefas e deixou de cumprir a sua promessa.
Claro que deixar de cumprir uma promessa é algo muito sério e que traz consequências devastadoras.
Então, um dia, a rainha das fadas apareceu a Oriana e, como castigo, tirou-lhe as asas e a varinha de condão.
Oriana passou apenas a ser apenas uma menina bonita. E o mundo está cheio de meninas bonitas.
Embora se arrependesse amargamente do seu comportamento, a rainha das fadas deixa-a percorrer um longo e tortuoso caminho em que se cruza com o sofrimento que provocou aos outros.
No final, quando a velha que era quase cega se engana e cai no abismo, Oriana esquece-se de que não tem asas, atira-se no vazio e agarra-a pela perna, caindo com ela.
É nesse instante que a rainha das fadas aparece, lhe devolve as asas e a varinha e condão, e todo o equilíbrio se restabelece à sua volta.
Quando era criança, achava que a fada Oriana era o máximo. Sim. Tinha cometido um erro, mas era apenas um deslize. Afinal de contas, quem é que nunca teve um deslize na vida?
Mas, desta vez, quando li novamente o livro, irritou-me plenamente o raio da fada estar sempre a culpar a porcaria do peixe pelos seus atos.
Fada Oriana, a culpa de não teres cumprido a tua promessa não foi do peixe. A culpa foi única e exclusivamente tua. Mete isso na cabeça de uma vez por todas!
Eu sei que o peixe não era flor que se cheirasse, que, no final, foi um grande ingrato por não ter estado ao teu lado quando mais precisavas, ainda para mais devendo-te a própria vida. Ok. Mas não o culpes pelo teu narcisismo, pelo teu abandono e pela tua falta de caráter quando todos os seres vivos dependiam única e exclusivamente de ti.
Assim que aceitares isso e assumires as tuas responsabilidades, voltamos a ser amigas, ok?
De 1900 e troca o passo, com as folhas a caírem, mas bem estimadinho.

17 de fevereiro de 2017

leitura em dia # 13

Acabei de ler A vida mágica da sementinha, de Alves Redol, há mais de uma semana, vejam lá.
Achei a história doce e consciente.
Dá-nos conta da vida de uma semente, desde o momento em que se encontra numa velha arca, numa longa escuridão, até ser mãe.
As aventuras da Sementinha são mais do que muitas.
É raptada por um rouxinol vagabundo que se apaixona loucamente por si.
Um pardal, feio e esfomeado, leva-a consigo e mata a primavera.
Quando a Sementinha, finalmente, cai na terra, contam-lhe velhas história dos seus avós, bagos de trigo.
Subitamente, e sem se aperceber do que lhe estava a acontecer, a Sementinha fica prisioneira da feiticeira Terra. É aí que vai crescer e aperceber-se da sua metamorfose, fazendo uso de uma imaginação incrível e de metáforas mirabolantes, com um sentido de humor magnífico.
A Sementinha acaba por ser amiga do Sol, passa por uma ressurreição inesperada, é esquartejada sobre uma mesa e sobrevive em dezenas de bagos de trigo que são os seus filhos.
Simplesmente adorável!



31 de dezembro de 2016

leitura em dia # 12

Ontem, acabei de ler Chocolate à Chuva, de Alice Vieira.
Foi uma grande surpresa, pois não fazia ideia de que este dava continuidade ao livro Rosa, minha irmã Rosa, da mesma autora.
Assim, na continuidade desta última obra, Chocolate à chuva dá voz à pequena Mariana, de 13 anos de idade.
Já nos habituámos àquela menina genuína e espontânea que faz comparações do arco da velha e retrata os sentimentos de uma forma amorosa e divertida.
Acabamos, pura e simplesmente, por nos identificarmos com ela.
Mais.
Acabamos por sentir saudades de um mundo tão doce e apelativo de descoberta e conquistas que deixámos para trás, quando tínhamos a sua idade.
Uma vez que este é o primeiro ano que estou a trabalhar com o segundo ciclo, acabei por reparar, só agora!, que estes livros que pertencem ao Plano Nacional de Leitura parecem ter um objetivo sólido e extremamente bem pensado, fornecendo às crianças ferramentas úteis e extremamente ricas para lidar com os seus próprios problemas.
Tratam, todos eles, de uma forma geral, a perda.
A perda de um familiar ou de um ente querido.
A perda de um dos progenitores, através do divórcio, que gera mudanças físicas, exteriores, mas, sobretudo, interiores; dúvidas e descobertas.
A perda da exclusividade, quando nasce um irmão, e por aí fora.
Aquilo que os contos de fada nos ensinam, com bruxas malvadas e madrastas hediondas, em que aprendemos a distinguir o bem do mal, é trabalhado aqui, nesta faixa etária, de forma distinta.
Na realidade, são desmistificadas algumas das intempéries mais adversas que a nossa sociedade atravessa e que, por vezes, os mais novos não sabem bem como lidar ou até o que sentir.
Em Chocolate à Chuva, Mariana é uma menina extraordinária que nos conta os devaneios do seu dia a dia e a forma como reage aos problemas.
Seja com a sua amiga Susana, em que os pais se desentendem, constantemente, e criam um mundo de fachada e aparência, em que tudo tem de estar perfeito, até os caracóis da pobre Susana!, mas que, no fundo, deixam o verniz estalar, a cada cinco segundos.
Seja com a sua colega, Maria do Céu, que é pobre e que os pais não têm tempo nem paciência para ela.
Ou mesmo com a sua melhor amiga, Rita, cujos pais estão a atravessar um divórcio que, à primeira vista, parece avassalador e parece arrastar tudo com ele.
Mais do que o divórcio propriamente dito, Mariana disseca todos os cantos e recantos que esse terramoto faz surtir nas suas vidas.
O crescimento repentino de Rita, que parece uma mulher.
A forma de lidar com o medo, tema este que deve ter tratado e explorado e esmiuçado ao máximo nesta faixa etária, em particular.
A relação de amizade entre as duas, que está a mudar e que nunca mais vai ser a mesma.
As recordações das grandes frustrações de Mariana, como o primeiro dia de aulas, em que a chuva cai lá fora e o chocolate derrete na sua mão e a mãe não chega (talvez a sua primeira perda).
A crítica mordaz à sociedade em geral, ao consumismo exacerbado, à publicidade enganosa que promete o impossível e que retrata um mundo oco, de aparência, aos preços exorbitantes da comida, ainda em escudos, às pessoas descontentes com a vida e com tudo e que se queixam, resmungam e refilam e só querem passar à frente uns dos outros.
A crítica aos mexericos infundados das amigas que apenas servem para criar o caos.
Ao tempo, ou à falta dele.
Aos eternos culpados, pois temos sempre a necessidade de culpar algo pelos nossos fracassos.
O divórcio é retratado de forma espetacular e, sobretudo, não punitiva.
Como algo que acontece, mas que não amputa a relação pai-filho.
Antes pelo contrário.
Fortalece-a.
Dá a oportunidade de descobrir o outro; os seus gostos ou, até, a cor dos olhos.
Mariana tem o condão de mostrar a parte positiva que o divórcio pode trazer.
Unir pai e filho, por exemplo, deixando a mensagem de que ninguém deve sentir pena dos outros só porque aconteceu um divórcio. Aliás, o divórcio não é a maior desgraça do mundo, diz a própria Susana. A mãe não é uma desgraçada sem marido e com uma filha para criar, como se o seu pai tivesse morrido e ela tivesse acabado de nascer. Ou como se a mãe não pudesse voltar a casar.
Realmente, este livro ensina-nos que o divórcio não é um fim, mas sim um recomeço que pode ser encantador.
O final, o chocolate à chuva, entre Mariana e Rita, promete a amizade mais forte do mundo, que resiste às maiores adversidades e ainda se torna mais sólido, pois "Nós aguentamos tudo".
Adorei.

12 de dezembro de 2016

leitura em dia # 11

O último livro que li foi Os piratas, de Manuel António Pina.
Achei-o francamente interessante.
Trata-se de um texto adaptado para teatro e o enredo faz-nos pensar.
A história gira à volta do naufrágio de um navio e das lembranças de um adolescente, Manuel, o protagonista.
O pretexto para que esta história aconteça gira à volta de um lenço vermelho de pirata, esquecido numa arca, no sótão de Manuel, e de um grande segredo que este conta à sua amiga Ana.
Na verdade, não consegue distinguir se tudo foi realidade ou não passou de um sonho.
O segredo é, então, desvendado.
Era de noite e, do escuro, ouviu-se uma voz vinda das sombras que chamava Manuel. Uma mão pegou na sua e puxou-o.
- Eu sou tu, meu tolo! Vem!
A voz diz-lhe que existe um barco pirata, que a ilha vai ser assaltada e que vão levar as mulheres.
Posto isto, Manuel mergulha no escuro, agarrando-se às escadas. Muito assustado, sobe-as, com medo de ser descoberto. Quando espreita para cima, verifica que se encontra no tombadilho de um navio pirata. O capitão, furioso, descobre-o no seu esconderijo e aponta-lhe a espada, julgando ser um seu grumete. O rapaz ata o bendito lenço à volta da cabeça e regressa, correndo, ao seu esconderijo.
Quando o capitão vê Terra à vista, decide meter os botes à água e gritar:
- Ao assalto! Queimem tudo! Apanhem as mulheres!
Aflito, Manuel tem de salvar a sua mãe.
No seu quarto, incompreensivelmente, continua a ouvir-se a gritaria dos piratas, o barulho das espadas, da tempestade no mar e a voz do capitão, vinda do sótão, a gritar. Ouve-se o ruído  dos objetos que tombam do lado de lá da porta, dentro de casa.
Manuel pensa que tem de acordar para salvar a mãe.
Entretanto, abre-se a porta do quarto e a mãe, assustada, entra e acende a luz. Ela teve precisamente o mesmo pesadelo.
Curiosamente, a porta de casa estava aberta, o corredor estava cheio de areia e tudo estava fora do sítio. Manuel encontra-se todo molhado e ainda tem o lenço atado à volta da cabeça.
Subitamente, voltamos ao início do enredo.
Ana ouviu a história e, pensativa, diz que acredita em Manuel.
Na Ceia de Natal, num passado narrado, sabe-se, então, do bendito naufrágio e de um menino inglês, com a mesma idade de Manuel, que vinha no navio. O seu nome era  Robert e o seu corpo ainda não tinha aparecido. A mãe e a noiva, de 9 anos, tinham chegado no dia anterior. Neste momento, damo-nos conta de que a menina é a Ana, a amiga do Manuel. Ficamos a saber que um mago disse à senhora inglesa que o filho ainda estava vivo e que se salvou a nado.
Mais tarde, Manuel fica de cama, doente, e Ana aparece para o visitar. Diz-lhe que lady Elizabeth está muito mal. Está convencida que, se chorar, Robert morre. Diz ainda que teve um sonho igual ao do Manuel.
O rapaz conta à Ana que, no dia em que o encontrou na praia com um pescador, este lhe contou o seu próprio sonho. Disse-lhe ainda devia ter adormecido outra vez, porque os piratas regressaram e o capitão gritava com os seus homens para que procurassem o grumete. Andaram de um lado para o outro à sua procura e que, a certa altura, deram com um rapaz estendido entre as rochas. Convenceram-se de que era o Manuel, que tinha caído e desmaiado. Pegaram nele e levaram-no.
Ana apercebe-se, nessa altura, de que levaram o Robert. A solução para este problema passa por deitarem fora o lenço, pois assim, no dia seguinte, não se lembrariam de nada.
Na minha opinião, esta história lança-nos duas realidades paralelas que se intercruzam em momentos diferentes. O pequeno "sonho" de Manuel, que aconteceu, de facto, inexplicavelmente, quando aterrou no navio dos piratas, ditou o destino do Robert.
Um equívoco aleatório roubou Robert à sua mãe.
Poderia ter sido Manuel a desaparecer.
Mas não.
Foi Robert e Manuel sabe-o, por isso se sente culpado.
A história tem um final aberto e, tal como todas as histórias de piratas, possui algum dramatismo e mistério associados.
Qual é a vossa interpretação?

8 de dezembro de 2016

leitura em dia # 10

Sem muito tempo entre leituras e com timings apertadinhos, depois de Pedro Alecrim, embrenhei-me logo no Robinson Crusoé, de Daniel Dafoe.
Na realidade, não tenho muito a dizer desta obra.
Robinson é um homem aventureiro que nutre uma grande paixão pelo mar e pelas viagens em geral. Numa das suas muitas viagens, dá à costa numa ilha deserta, onde é o único sobrevivente.
Passam-se muitos anos e consegue adaptar-se a esta vida, construindo uma casa, criando gado ou cultivando vegetais.
Pelo meio, assistimos ao desespero de um homem que se depara com a solidão, com a escassez (de alimentos, de companhia, de roupa...), com canibais, com Sexta-feira, um escravo que salvara, com temporais e naufrágios.
Embora seja um clássico, achei a história um bocado parada e não me disse muito.
Todavia, os miúdos devem gostar, pois há muitas aventuras e artimanhas improváveis.

3 de dezembro de 2016

leitura em dia # 9

As leituras têm andado em dia, sim senhor.
Depois de Rosa, minha irmã Rosa, da grande senhora Alice Vieira, que foi uma doçura de livro, atirei-me de cabeça para o Pedro Alecrim, de António Mota e, digo-vos, mal sabia eu onde me ia meter.
Foi um verdadeiro pesadelo.
Desculpem-me, mas foi.
Não estou a exagerar.
De todo.
Temos de ser sinceros e pôr as cartas na mesa.
A história é francamente amarga e deprimente.
Desanimadora, até.
O Pedro Alecrim e o amigo viviam uma vida de dificuldades e adversidades. Estudar era um privilégio para uns, uma tortura para outros e algo meramente banal e corriqueiro para poucos.
O trabalho em casa tinha de ser feito e o trabalho no campo era pesado. Não havia tempo nem desculpas para poderem ser crianças.
Entretanto, o escritor arremessa-nos um ou outro episódio de bullying, um divórcio inesperado pelo meio, a doença grave do pai de Pedro, com sangue para aqui, sangue para acolá, e uma mãe que envelhecia com o trabalho e o sofrimento, e emagrecia até quase se lhe verem os ossos.
E depois, como se não bastasse, ainda tropeçamos na morte do pai de Pedro.
Assim.
Crua.
Dura.
Como um tapete que nos é puxado por baixo dos pés.
Chocou-me a descrição dos móveis a serem arredados da sala para que a urna entrasse; o cheiro a velas, que é, a bem dizer, o cheiro dos funerais e dos mortos.
Temos ainda o amigo, no final da história, que vai trabalhar para a cidade, mas que é enganado no trabalho e, em vez de servir às mesas num café, vai lavar garrafas para o quintal, lá atrás. Para cúmulo, não sabe quanto vai ganhar ao fim do mês, pois foi o irmão que combinou tudo com o patrão. Tem, obrigatoriamente, de ajudar a pagar as contas da casa que partilha com o irmão e a cunhada (que parece ser um pequeno Hitler) e tem ainda de pagar a lixívia que é usada na sanita devido ao mau cheiro, pois a cidade revela-se barulhenta e putrefacta, e as saudades apertam.
Pronto.
Ufa!
Já está!
Que alívio!
Estão a ver como não exagerei?
Não quero ser injusta, mas este foi o livro mais triste e deprimente que já li, escrito de uma forma simplista, com uma linguagem quase infantil, dirigido às crianças.
Espero que o Bernardo não tenha de ler o Pedro Alecrim no 6º ano.

20 de outubro de 2016

leitura em dia # 8

Sapinhos, se vêm cobrar-me a leitura do Catch -22, podem dar meia volta e sair.
Estamos entendidos?
Este ano (letivo), não tenho tido tempo para rigorosamente n-a-d-a.
Acham que estou a exagerar?
Então, venho esfregar-vos na cara os livros que tenho manuseado, feito perdida, só para não pensaram que ando por aqui a laurear a pevide e pouco mais.
São só meia dúzia de páginas de cada vez, mas é tempo que se perde, caramba, não venham cá com histórias.
Este foi o primeiro: A Viúva e o Papagaio.
Claro que fiquei chocada com a biografia mórbida da autora, mas, de resto, gostei do livro.
Sei que toda a gente vai à bola com o raio da viúva, que adorava animais e patati patatá... mas acho que a senhora Gage não era flor que se cheirasse.
Pronto, já disse.
Por amor de Deus, quem-mas-quem é capaz de ficar contente com a morte do próprio irmão?!!
Ou com o incêndio de uma casa?!
Mas tudo bem.
Gostem lá da velha à vontade, só porque ela era manca e viúva e gostava dos animaizinhos todos-e-mais-algum, vá!
Não se acanhem.
Depois, foi Ali Babá e os Quarenta Ladrões, a história que todos conhecemos de cor e salteado, desde que somos meio palmo de gente. Nada a acrescentar.
A seguir, passei os olhos pelo Ulisses, de Maria Alberta Menéres, escritora que eu adoro (amei À Beira do Lago dos Encantos).
Claro que já todos conhecemos a Ilíada de Homero de ginjeira, nem que seja assim por alto ou dos filmes da televisão.
Esta versão deliciosa adaptada a crianças está muito bem concebida e, sobretudo, simplificada. A forma gráfica está original e sugestiva, e os jogos de palavras são fenomenais.
Quanto ao livro Rosa, minha irmã Rosa, da fantástica Alice Vieira, que dispensa apresentações ao mundo-todo-em-peso, acabei agorinha mesmo de o ler e de fazer resumos e perréu-péu-péu pardais ao  ninho.
A história é doce, verosímil e muito profunda.
Mariana é uma menina castiça e curiosa, de apenas 10 anos de idade, que nos dá a conhecer o seu mundo de sonhos e fantasias e medos também, quando a sua irmã Rosa nasce.
É um paradoxo de emoções e sentimentos.
A constante analogia entre o passado e o presente, no que toca à educação, à família e aos valores, à economia e à política, faz-nos reviver o nosso passado e identificarmo-nos, de alguma forma, com a pequena narradora, tão extraordinariamente inquisitiva e humana, sem papas na língua, nem meias medidas.
Mariana faz uso de 1001 comparações inocentes e divertidas que nos levam às lágrimas, de tanto rir.
O final da história é um sossego de alma e fez-me arrepiar da cabeça aos pés.
Imaginem só que, por um mero acaso, eu tivesse chorado um bocadito, coisa pouca, mesmo no final do livro, acham que parecia muito mal?
Amanhã, vou começar a ler o próximo livro da saga Tens-de-ler-o-quanto-antes, Pedro Alecrim
Catch - 22, espera por mim!
Eu sei que ainda nem a meio ia, mas mal tenha um tempinho para respirar, pego logo em ti, ok?
Amigos?

11 de setembro de 2016

leitura em dia # 7

Perdi uns dias a beliscar este conto sarapintado de fantasia, delicioso para crianças ou para uma ida à praia.
A leitura é rápida e a história enche-se de aventuras inimagináveis.


14 de agosto de 2016

leitura em dia # 6

A Year in the merde, de Stephen Clarke, foi o meu grande companheiro nestes últimos dias.
Basicamente, o protagonista britânico, Paul West, é convidado a trabalhar em Paris, durante um ano, e todo o enredo gira à volta do seu dia-a-dia, das suas peripécias amorosas, gastronómicas e profissionais, contadas na primeira pessoa, de uma forma violentamente hilariante.
Esta comédia de erros e costumes não é nada mais, nada menos do que o diário-jocoso de um britânico lá fora, sem papas na língua, e dos estereótipos criados acerca das culturas francesa e britânica.
Este não foi um livro magnífico, de uma escrita surpreendente, confesso, mas valeu bem a pena pela ironia mordaz, pelo coração-na-boca, pela experiência de vida de alguém perplexo com a inusitada realidade parisiense, onde em cada passeio encontra pazadas-e-pazadas de merde de cão ou um punhado de greves ao virar da esquina.
Excelente leitura de verão!

26 de abril de 2016

leitura em dia # 5

Cheguei a uma conclusão (tarde, mas cheguei): não vale a pena comprar livros escritos em Português.
É uma vergonha, mas são, de facto, muito mais caros.
A minha última aquisição foi o Reality Boy, de A. S. King e, digo-vos, foi dinheirinho bem empregue.
Li este livro em 3 dias e achei-o fenomenal.
A escrita é contemporânea, criativa e inusitada.
O livro fala do Gerald, um adolescente com imensos problemas familiares, e da sua infância conturbada, quando a sua família decide entrar num reality show, e vê a sua vida exposta em direto para todo o país.
Entramos na cabeça de um adolescente que anseia conhecer-se a si próprio e sair do seu mundo seguro, o gersday, onde fala com a Branca de Neve e come imensos gelados.
P.S. - Não tem, ainda, tradução em português.

16 de abril de 2016

leitura em dia # 4

Caramba!
Nunca mais era sábado!
Estavam a ver que esta rubrica nunca mais saía, certo?, pois o vosso sapatinho deixou os livros de lado e só quer laurear a pevide e o diabo a quatro?, mas não.
Calma.
Comecei a ler um livro, A Elizabeth desapareceu, de Emma Healey, em outubro, e, depois, fui pousando o livro pelos quatro cantos.
Literalmente.
Este bestseller mundial tinha TUDO para dar certo: um mistério, uma personagem cativante muito mais distraída do que eu (o que, convenhamos, é um conforto para a alma), mas era demasiado monótono e repetitivo.
Curioso... pois as críticas eram para lá de ótimas...
Por acaso, há dois dias atrás, voltei a pegar nele, do género, anda cá, pequenino, vamos dar mais uma oportunidade à nossa relação?
E assim foi.
Em menos de um dia, acabei de ler mais de metade deste mundo-nas-mãos que, afinal de contas, se revelou sur-pre-en-den-te!
O presente e o passado da vida de Maud entrelaçam-se de forma magnífica e fluída e dão azo a uma imaginação irrepreensível e a um final cativante.
Quem estava desaparecida, afinal de contas?
Para quem ainda não leu, aconselho vivamente!
Inesquecível, esta Maud!

22 de agosto de 2015

leitura em dia # 3

Meus ricos sapinhos-papa-livros, ontem, acabei de ler, FINALMENTE, Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra, de Mia Couto.
Sei que demorei séculos a acabar a leitura, que tinha o livro mesmo ali, à beira de semear, mas houve dias em que não tive tempo sequer para olhar para ele.
Embora, reconheço, não esteja no top 5 dos melhores livros que já li, ainda assim, achei-o excecional.
A escrita de Mia Couto é simples, a abarrotar de comparações e metáforas surpreendentes, quase sinestésicas, que nos transportam para uma África de tradições, crenças, medos, paixões e misticismo, através da personagem principal, Mariano, que, pela altura da pseudomorte do avô, regressa às suas origens. Enquanto aguarda pela cerimónia fúnebre, acaba por ser testemunha de aparições na forma de pessoas e de cartas que lhe chegam de um mundo espiritual. Regressar a Moçambique é mais do que um reencontro consigo mesmo, é um renascimento.
A missão de Mariano é dar continuidade à sua história de pessoal e familiar, mas, sobretudo, à história política de uma África pós-colonial que enfrenta um impasse cultural, religioso e político.
Este livro, de leitura empolgante e divertida, leva-nos à reflexão de temas controversos, bem como à reflexão do sentido da vida e da morte.
Aconselha-se, portanto!

10 de agosto de 2015

leitura em dia # 2

Na sexta-feira à noite, depois do jantar, sentei-me no sofá com O teu deserto, de Miguel Sousa Tavares e um punhado de expectativas.
Não era um punhado qualquer, não senhor.
Era um punhado valente cheio de muitas-imensas expectativas.
Um ror delas.
Nunca, em momento algum, duvidei de que fosse adorar o seu quase-romance.
Nunca.
Aquele jeito afoito, aliado ao facto de ser filho de quem é, had me at hello.
Lembram-se da maior desilusão da vossa vida?
Lembram-se?
Então multipliquem-na por 10 e elevem-na ao infinito e têm o resultado de O teu deserto.
Não quero ser mazinha, mas aqueles minutos foram uma autêntica perda de tempo!
Só posso dizer que dou graças a Deus por o livro me ter sido emprestado, ou estaria agora a chorar o meu rico dinheirinho!
Consegui ler até à página 31 e, digo-vos, sinto-me uma sobrevivente!
Para mim, e volto a repetir para que fique bem claro, PARA MIM, o seu quase-romance completa-se com uma quase-escrita que não diria simples, mas pobre, superficial, quase medíocre.
Um romance de bolso nada interessante.
Achei pouco.
Tão pouco que o deixei de lado.
Agora, tenho em cima da mesinha-de-cabeceira um livro de Mia Couto. Vamos lá ver.

6 de agosto de 2015

leitura em dia # 1

Sapos-leitores-assíduos-que-devoram-livros-até-mais-não, já lá vai o tempo em que o vosso Sapatinho deglutia 5 livros em 4 dias, em que levava um livrito ou outro, escondido debaixo do braço, para todo o lado; para a casa de banho, para a mesa, para o café, para o carro, para a sala, para a cama, enfim!, era um ver se te avias!
Depois, nasceu o Bernardo e o ritmo tornou-se outro (mas isso são outras águas...).
Continuo a ler, sim, muito, imenso!, mas apenas em contexto profissional; o que já não é mau de todo.
Ora, há uns meses atrás, peguei no O Anticristo, de Nietzsche, que andava por lá atirado, e pensei Nem é tarde, nem é cedo
Bem, comecei a lê-lo, empolgadíssima, e... depois.... depois...pousei-o... algures...
Sim, é uma pouca vergonha!
Pousar O Anticristo?
Algures?!!
Como, Algures?
Isso é sítio??
Onde já se viu?!!!!
Têm toda a razão, mas calma, sapitos, calma, que Portugal ainda é nosso!
Esta semana, voltei a encontrá-lo, esquecido numa prateleira, e já não o larguei mais.
Ontem acabei de o ler.
Foi um livro que me marcou, sem dúvida, e que me fez pensar mais (ainda) no Cristianismo e na condição humana. Achei-o polémico, aceso, inteligente e mordaz.
Se a minha visão do Cristianismo é a mesma depois de ler O Anticristo?
Mentiria se dissesse que sim.
Se concordo cegamente com tudo o que foi escrito?
Nem 8, nem 80!
Mas dá que pensar. Ai se dá!
Conhecido pela célebre frase O Evangelho morreu na Cruz, Nietzsche teceu, nesta obra atual, uma das mais ácidas críticas ao Cristianismo, de toda a história espiritual.
Através de um delírio paradoxalmente consciente, intercruzado com ataques e ironias ferozes, o autor denuncia o Cristianismo, enquanto sinónimo de corrupção, calamidade e enfermidade. Esta crítica não é mais do que um ajuste de contas ao parasitismo, à negação da realidade e à perversão interior.
Então, pequeninos, o que é o Cristianismo para ele? É uma religião que nega o ato de viver, corrompe os instintos humanos e impede a felicidade. É uma automutilação. É a conspiração contra a saúde, a beleza, a retidão, a bravura, o espírito, a beleza de alma, contra a própria vida. Destemido, mete o Cristianismo e o alcoolismo exatamente no mesmo saco, pois são eles os 2 grandes meios de corrupção.
Nietzsche propõe o surgimento do “além-homem”, um ser capaz de aceitar as suas limitações e superações, diante de um mundo sem necessidade de Deus para criá-lo, guiá-lo ou destruí-lo. Ele vê-se como um anticristo que necessita de descristianizar o Ocidente, onde a moral do ressentimento e da culpa estão latentes no nosso mundinho cristão. A vida deve ser entendida sem o sentimento de culpa da moral cristã. O pecado pura e simplesmente não existe e, se não há pecado, não há, de todo, necessidade de salvação. O ser humano criou um Deus, sim, para preencher o seu próprio vazio existencial, como forma de negar a sua existência.
Posto isto, o que é Deus, afinal, para Nietzsche? É a contradição e negação da vida. Então, enche o peito de ar e aponta o dedo a esse Deus doméstico, vendedor, negociante, caixeiro-viajante. É um Deus cuja vontade se torna dominante, que castiga ou recompensa conforme o grau de obediência. E nós não passamos de paus-mandados, cordeiros de Deus, num rebanho que não pensa.
Já Cristo não passou de um romântico anarquista que pretendia mudar o mundo, um criminoso político que morreu por causa dos seus pecados e não dos pecados dos outros.
E o padre?, meninos, o padre?
Ah, o padre, esse!, é um comedor de bifes, é um parasita que vive pelos pecados dos outros e, sem eles, a sua existência não faria qualquer sentido.
Então, obviamente, teve de aparecer a Igreja!, esse manicómio católico que veicula a palavra de Paulo, o apóstolo culpado de todos os males. Ele é o verdadeiro e único fundador da Igreja Cristã. Cristo não tinha a intenção de criar uma igreja institucional, tanto que morreu por isso. Paulo foi, então, O responsável por criar a visão de um Deus punitivo à qual nos habituámos e conhecemos tão bem, visão essa totalmente diferente daquela pregada por Jesus. 
Paulo foi o usurpador da herança de Cristo. Como golpe de misericórdia, Paulo criou o Juízo Final, o bicho-papão-malvado que levou o medo à vida terrena. Transformou Jesus no Salvador da humanidade e culpou a vida, odiando-a. 
A decadência venceu!
Meus senhores, este livro é de leitura obrigatória e serve para refletirmos sobre o que há do lado de lá e como é filtrado no lado de cá! 
Sapos-que-pensam-pelas-vossas-cabecitas, deixo-vos aqui este desafio: leiam O Anticristo, sem preconceitos ou tabus, e depois falamos, ok?