Ontem, acabei de ler Chocolate à Chuva, de Alice Vieira.
Foi uma grande surpresa, pois não fazia ideia de que este dava continuidade ao livro Rosa, minha irmã Rosa, da mesma autora.
Assim, na continuidade desta última obra, Chocolate à chuva dá voz à pequena Mariana, de 13 anos de idade.
Já nos habituámos àquela menina genuína e espontânea que faz comparações do arco da velha e retrata os sentimentos de uma forma amorosa e divertida.
Acabamos, pura e simplesmente, por nos identificarmos com ela.
Mais.
Acabamos por sentir saudades de um mundo tão doce e apelativo de descoberta e conquistas que deixámos para trás, quando tínhamos a sua idade.
Uma vez que este é o primeiro ano que estou a trabalhar com o segundo ciclo, acabei por reparar, só agora!, que estes livros que pertencem ao Plano Nacional de Leitura parecem ter um objetivo sólido e extremamente bem pensado, fornecendo às crianças ferramentas úteis e extremamente ricas para lidar com os seus próprios problemas.
Tratam, todos eles, de uma forma geral, a perda.
A perda de um familiar ou de um ente querido.
A perda de um dos progenitores, através do divórcio, que gera mudanças físicas, exteriores, mas, sobretudo, interiores; dúvidas e descobertas.
A perda da exclusividade, quando nasce um irmão, e por aí fora.
Aquilo que os contos de fada nos ensinam, com bruxas malvadas e madrastas hediondas, em que aprendemos a distinguir o bem do mal, é trabalhado aqui, nesta faixa etária, de forma distinta.
Na realidade, são desmistificadas algumas das intempéries mais adversas que a nossa sociedade atravessa e que, por vezes, os mais novos não sabem bem como lidar ou até o que sentir.
Em Chocolate à Chuva, Mariana é uma menina extraordinária que nos conta os devaneios do seu dia a dia e a forma como reage aos problemas.
Seja com a sua amiga Susana, em que os pais se desentendem, constantemente, e criam um mundo de fachada e aparência, em que tudo tem de estar perfeito, até os caracóis da pobre Susana!, mas que, no fundo, deixam o verniz estalar, a cada cinco segundos.
Seja com a sua colega, Maria do Céu, que é pobre e que os pais não têm tempo nem paciência para ela.
Ou mesmo com a sua melhor amiga, Rita, cujos pais estão a atravessar um divórcio que, à primeira vista, parece avassalador e parece arrastar tudo com ele.
Mais do que o divórcio propriamente dito, Mariana disseca todos os cantos e recantos que esse terramoto faz surtir nas suas vidas.
O crescimento repentino de Rita, que parece uma mulher.
A forma de lidar com o medo, tema este que deve ter tratado e explorado e esmiuçado ao máximo nesta faixa etária, em particular.
A relação de amizade entre as duas, que está a mudar e que nunca mais vai ser a mesma.
As recordações das grandes frustrações de Mariana, como o primeiro dia de aulas, em que a chuva cai lá fora e o chocolate derrete na sua mão e a mãe não chega (talvez a sua primeira perda).
A crítica mordaz à sociedade em geral, ao consumismo exacerbado, à publicidade enganosa que promete o impossível e que retrata um mundo oco, de aparência, aos preços exorbitantes da comida, ainda em escudos, às pessoas descontentes com a vida e com tudo e que se queixam, resmungam e refilam e só querem passar à frente uns dos outros.
A crítica aos mexericos infundados das amigas que apenas servem para criar o caos.
Ao tempo, ou à falta dele.
Aos eternos culpados, pois temos sempre a necessidade de culpar algo pelos nossos fracassos.
O divórcio é retratado de forma espetacular e, sobretudo, não punitiva.
Como algo que acontece, mas que não amputa a relação pai-filho.
Antes pelo contrário.
Fortalece-a.
Dá a oportunidade de descobrir o outro; os seus gostos ou, até, a cor dos olhos.
Mariana tem o condão de mostrar a parte positiva que o divórcio pode trazer.
Unir pai e filho, por exemplo, deixando a mensagem de que ninguém deve sentir pena dos outros só porque aconteceu um divórcio. Aliás, o divórcio não é a maior desgraça do mundo, diz a própria Susana. A mãe não é uma desgraçada sem marido e com uma filha para criar, como se o seu pai tivesse morrido e ela tivesse acabado de nascer. Ou como se a mãe não pudesse voltar a casar.
Realmente, este livro ensina-nos que o divórcio não é um fim, mas sim um recomeço que pode ser encantador.
O final, o chocolate à chuva, entre Mariana e Rita, promete a amizade mais forte do mundo, que resiste às maiores adversidades e ainda se torna mais sólido, pois "Nós aguentamos tudo".
Adorei.
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