Este verão comprometi-me a ler O Rapaz de Bronze e O Cavaleiro da Dinamarca, de Sophia de Mello Breyner.
Comecei pelo último, O rapaz de Bronze.
Esta obra mágica fala de um jardim maravilhoso onde viviam muitas flores diferentes e onde nasceu um gladíolo ainda mais mundano do que todos os outros gladíolos.
Certa altura, o Gladíolo passou perto da casa onde vivia e espreitou uma festa por uma janela aberta. Ficou deslumbrado e teve a ideia de dar uma festa, não de pessoas, mas de flores, à noite, no jardim. Porém, havia uma condição: o Rapaz de Bronze tinha de dar licença, pois era ele quem mandava por aquelas bandas à noite.
Num lugar sombrio, solitário e verde, numa ilha muito pequena, havia uma estátua que era um rapaz feito de bronze. Durante o dia, o Rapaz de Bronze não se podia mexer, porque era uma estátua, mas durante a noite falava e mandava naquela extensão de terreno, nas árvores e nos animais. Ele era o senhor do jardim e o rei da noite.
O Gladíolo pediu-lhe aquele favor e o Rapaz de Bronze teve pena e deixou-o fazer a festa na noite seguinte.
O Gladíolo tratou dos preparativos. Convidou as famílias das flores, arranjou o sítio para a festa - a clareira dos Plátanos - , a orquestra e a ornamentação.
Todos combinaram que teriam de pôr uma pessoa na jarra de pedra, a Florinda, que era filha do jardineiro e tinha sete anos e era parecida com todas as flores.
Quando o rouxinol perguntou a Florinda se queria ir a uma festa maravilhosa, ela respondeu que tinha medo. Nisto, o Rapaz de Bronze sossegou-a e disse que tomava conta de si.
Finalmente, a festa começou.
Todos dançavam, menos o nosso Gladíolo, que estava preocupado com o atrasado da Tulipa. Quando esta chegou, muitos a convidaram a dançar, mas ela dizia sempre que não. Apenas o Gladíolo ficou a seu lado. Quando o Nardo a convidou para dançar e ela aceitou, o Gladíolo ficou indignado e preocupado com o seu perfume demasiado forte. Às páginas tantas, o Nardo deixou a Tulipa para ir atrás do perfume da Flor do Muguet e a Tulipa não dançou mais.
Entretanto, o Rapaz de Bronze contou um segredo a Florinda: "Quando tu vires uma coisa, acredita nela, mesmo que todos digam que não é verdade." A menina ainda não sabia, mas era um segredo muito importante.
O canto do galo anunciou o fim da noite e, num instante, todas as flores desapareceram.
De manhã, a Florinda lembrou-se da festa. Então, no recreio, contou tudo às suas amigas, mas fizeram troça dela. Florinda começou a pensar que talvez tivessem razão.
Quando encontrou o Rapaz de Bronze e ele não se mexeu, pensou que tudo não tinha passado de um sonho.
Passaram muitos anos.
Florinda cresceu e quase se esqueceu daquela festa.
No ano em que fez quinze anos, chegou ao jardim do Rapaz de Bronze. Ele estendeu uma mão e disse: "Florinda, lembras-te de mim?"
E ela lembrou-se. Deram as mãos e foram os dois através do jardim.
Achei a história encantadora e o fim trocou-me as voltas. A história do Gladíolo deixou de ser importante, afinal de contas. Apenas foi um pretexto para uma história maior, a do Rapaz de Bronze e da Florinda, a história de uma amizade pura e verdadeira, em que os segredos contam verdades inestimáveis.
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