28 de fevereiro de 2020

o sapatinho foi à rua # 514

Este tempo pede branco.
Desculpem lá, mas pede branco.
Não acham?

Os jeans por dentro das meias dão um ar descontraído.
A ganga deslavada e os ténis juntam-se à festa.

A família toda atrás.

O cão também.










camisola branca de malha: United Colors of Benetton
jeans brancos: H&M
ténis: Adidas
casaco de ganga: Salsa
óculos de sol: Ray Bain
mala: La Coste

27 de fevereiro de 2020

a cigana # 7

Senti-me confusa. Não me apercebi imediatamente da versão que o meu noivo lhes tinha contado, dado que não era a mim que me atingiam, mas sim a ele! Só mais tarde pude perceber que mentira! Mentira ao meu povo e ao seu e ao nosso, para que a minha reputação ficasse intacta, resguardada; para que pudesse continuar a ser uma mulher de respeito e condição. Mentira: não tinha sido eu a fugir para a cidade de cimento, não tinha sido desrespeitada por um branco que me violou e me largou pela encosta abaixo, junto ao rio; tinha sido ele próprio a rasgar-me e a abusar da situação, que se não tinha contido um dia antes do casamento e me apanhou e me violentou e me bateu, porquanto já tinha bebido além da conta e não sabia explicar mais.

Agora eu já era mulher.

O casamento fora adiado; ou mesmo cancelado. Não se falava mais no assunto. Por unanimidade, estabeleceu-se que o cigano tinha de partir, pois não era seguro, nem de confiança. O meu pai chegou, porventura, a ter intenções de lhe aplicar uma sentença mais mordaz, a de acabar com a sua vida logo ali, que não era vida para quem viola uma mulher e sai impune.
O cigano mantinha-se calado. 

Antes de prosseguir, peço as minhas mais sinceras desculpas, pois esqueci-me de o apresentar devidamente. A ele, ao meu prometido, ao homem desapaixonado e alheio que eu tanto repugnava, mas que agora me protegia com o próprio corpo a servir de  escudo; com a sua vida. Manuel era o seu nome. Mas não falemos de nomes. Um nome todos possuímos e não é, de modo algum, motivo de distinção ou de honradez. Posso dizer que se tratava de um homem calado, um homem de preto, de camisa aberta num decote despido. Um homem que trazia ao peito o amuleto que nos uniria para sempre; uma medalha incerta no balançar de um cordão. Um homem de barba negra e robusta; negra. Um homem bom.

Nesse instante, dei conta de que a vida real anda, impreterivelmente, de mãos dadas com os contos dos livros mágicos, que a minha história possui a mesma emoção e brilho que acompanha as princesas em apuros; um príncipe encantado que as salva de um dragão feroz, guardião da torre mais alta de um palácio do reino mais longínquo. Não um príncipe estereotipado, alto e forte e bonito e sedutor, de magnífica espada reluzente e um ágil cavalo alado, branco, com asas; mas um homem comum, respeitador, consciente, de bom coração; uma outra faceta, não encantada, mas encantadora, de um príncipe encantado; o meu.

26 de fevereiro de 2020

os meus cinco minutos # 41


Por este caminho, e com a crescente desmotivação dos alunos do secundário relativamente à disciplina de Português, dentro de alguns anos, arrisco afirmar, ninguém estará francamente disposto a conhecer os clássicos da literatura portuguesa e, muito provavelmente, os conceituados autores portugueses não serão mais da lei da morte libertados.
A literatura tem os seus dias contados e há quem assevere que Camões é dispensável, O Livro do Desassossego, de Pessoa, também e Padre António Vieira deverá ser exterminado (se o quisermos estudar, teremos de ir para o Brasil, o que é algo, assim, a puxar para o irónico).


- Não é o fim do mundo, por deus! Não vamos precisar disso para nada. – bocejam, aborrecidos, os alunos do secundário que escolheram a componente científica e rosnam quando são confrontados com Pessoas e Saramagos e o caneco.

 
O lirismo, não há dúvida, tem vindo a dourar os textos de referência da nossa civilização e é essencial para uma reflexão madura sobre o presente e, sobretudo, sobre o futuro. 
Esta renúncia aos clássicos resume-se a um punhado de vazios projetado meramente para a sobrevivência quotidiana e primária, sem cogitar o que supera a realidade tangível.


Posto isto, vamos fazer as contas.
Vivemos matematicamente absortos dos ideais que importam, valorizando bens materiais e superficiais, em detrimento do que é realmente fulcral, recusando o intelecto que apenas subsiste em nós. 


A simplificação do ensino e dos conteúdos programáticos não pode confluir no depaupero dos saberes, sob pena de se entorpecer o entendimento e a razão. A ideia de que a aprendizagem aprofundada dos escritores portugueses deveria ser abolida ou diminuída e sujeitar-se unicamente aos alunos de humanidades é grave. 


Muito provavelmente, o abandono do ato de interpretar e de analisar é um dos principais motivos da crise que atravessamos – que é cultural antes mesmo de ser económica, política ou social. 
Se tal se concretizar, a educação cultural dos portugueses virá a ser de uma verticalidade oca e a recessão portuguesa, juro-vos, não será apenas económica.

25 de fevereiro de 2020

o raio da bicharada # 51

Não sei se já vos aconteceu algo assim, mas, quando recebo visitas, é muito-muito-muito habitual pedirem-me autorização para tirar uma foto à  Sushi, para mostrarem lá em casa, à família.

Dizem que nunca viram um gato tão grande.

9kg bem pesadinhos.

Para quem não gostava de gatos...
<3

24 de fevereiro de 2020

caderneta de cromos # 26

No outro dia, um garoto de 12 anos virou-se para mim, muito sério, e disse: 

Oh, a professora é igualzinha à Bárbara da telenovela Nazaré!!!



Não conhecia a senhora-que-deve-ter-idade-para-ser-minha-filha-mas-enfim.
Nunca a tinha visto, nem mais gorda nem mais magra.

É por estas e por outras que amo a minha profissão.
Volta e meia, há comentários destes.

As crianças são incríveis, pá!

(autoestima lá em cima)

Bárbara, ou lá como é que te chamas, antes de mais,  quero que saibas que eu não tenho nada que ver com isto.
A ideia brotou unicamente da cabeça do garoto, sem qualquer tipo de chantagem da minha parte, ok?

Amigas?

23 de fevereiro de 2020

os meus cinco minutos # 40

A Farsa de Inês Pereira trata-se da mais famosa farsa escrita por Gil Vicente. Altamente satírica e hilariante, é nada mais nada menos do que a materialização do provérbio "Mais vale asno que me leve que cavalo que me derrube".
Através do recurso a personagens-tipo e ao cómico de linguagem, de caráter ou de situação, o dramaturgo pretende criticar a moça que manifesta uma ambição desmedida de promoção social, a mulher falsa que engana o marido, o Escudeiro pretensioso, autoritário e cobarde, o marido ingénuo e enganado, o Ermitão devasso que não respeita  a Deus, falso religioso, (comportamentos imorais por parte de elementos do clero), a Alcoviteira, Brígida Vaz, sempre interessada em promover uniões e os Judeus preocupados com o seu próprio umbigo (os excomungados, que, pelo pecado único de serem judeus, nem o Diabo os quis na sua barca, que fossem, antes, a reboque, pois então).

Ufa!

Deixem-me respirar um bocadinho, que este Gil Vicente não brinca em serviço.

Inês é uma jovem preguiçosa e idealista (não o são todas as adolescentes?) que anseia deixar o seu estado de solteira e a vida de "canseira" e de "cativeiro" que leva, valorizando a liberdade acima de tudo. Vê-se pressionada a casar com Pêro Marques, o "asno", lavrador simples e sem cultura, ingénuo, trabalhador, honesto, boçal (privado de inteligência), que não se sabe comportar e que representa, metonimicamente, um Portugal analfabeto, mas está encantada pelo galante combatente, Brás da Mata, que representa o "cavalo".  Elegante, mentiroso, desleal, pelintra, galanteador, cobarde e parasita, representa uma nobreza ociosa e sem valores.

Todavia, no meio de tanta degradação, é, sobretudo, a Inês Pereira que Gil Vicente decide apontar o dedo, antes ainda da pobre coitada ter feito qualquer decisão.

 A rapariga apresenta densidade psicológica e evolui ao longo da peça. "Muito fantesiosa", constrói uma imagem idealizada de marido: "Porém, não hei de casar senão com homem avisado, ainda que pobre pelado, seja discreto em falar". Para ela, o facto de escolher um marido pobre não era problema; o importante era que fosse inteligente e soubesse tanger viola, independentemente dos seus traços físicos: "Que seja homem mal feito, feio, pobre, sem feição, como tiver discrição, não lhe quero mais proveito. E saiba tanger viola e coma eu pão e cebola".

Na volta, digo eu, a Inês é bem menos exigente do que a maior parte do pessoal do século XXI, uma vez que a beleza para ela não era importante (outros valores mais altos se levantam), nem o dinheiro, mas sim a inteligência e a cultura.

Honestamente, não a critico. Gosta de homens inteligentes e cultos e o dinheiro não é o mais importante. Na prática, Inês revela ideais dignos de um Quinto Império.

Na realidade, aqui que ninguém nos ouve, a pobre da criatura estava tramada desde o início, pois Gil Vicente não lhe deu qualquer escolha minimamente decente, válida ou justa, que a conduzisse a um final feliz: ou casava com Brás da Mata por amor, sendo invariavelmente enganada, como se verificou, ou casava por dinheiro com alguém que, se remontasse aos dias de hoje, seria o típico animal, burro que nem uma porta, que come de boca aberta, arrota à mesa e diz palavrões, mais coisa menos coisa. Ingénua, também ela foi enganada, mas ninguém se chegou à frente para a defender, fosse por que motivo fosse, nem os Doze de Portugal.

No fundo, Inês representa todas as jovens mulheres da altura, enganadas por uma nobreza ociosa e arruinada, decorrente da centralização das riquezas provindas da expansão na corte.

Depois de ter sido "derrubada" pelo "cavalo", Brás da Mata, Inês, já que não pode ter um Richard Gere, escolhe a personagem que representa o "asno", o lavrador Pêro Marques, pois "Quero tomar por esposo quem se tenha por ditoso de cada vez que me veja. Por usar de siso mero, asno  que me leve quero, e não cavalo folão. Antes lebre que leão, antes lavrador que Nero" Inês Pereira, depois de ter sido iludida por Brás da Mata, prefere um marido "manso".

No final da peça, torna-se materialista, calculista e vingativa, aceitando o  destino e abraçando um ponto de vista redutor, fruto de um Portugal estagnado e moribundo.

É a hora?

22 de fevereiro de 2020

o sapatinho foi à rua # 513

Meninas, confesso.
Apostei tudo na simplicidade do look e nas mangas-balão desta camisola que eu amo, que não foi propriamente barata e que desconfio, pelo andar da carruagem, que se vai encher todinha de borboto.

Vamos fazer figas?






camisola de malha: Pepe Jeans (nova coleção)
jeans: Levi's
blazer: H&M
botins: Quebramar
óculos de sol: RayBan 
brincos: Eugénio Campos 

20 de fevereiro de 2020

a cigana # 6

Estava escuro quando senti a presença de alguém a aproximar-se. Consegui sentar-me, a custo, na relva húmida da noite. Tremia. As minhas mãos tentavam arrepanhar os farrapos que restavam para me cobrir. E vi-o! A ele, à única pessoa a quem não me podia queixar, à única pessoa que não podia saber que virgem já não ia para a sua cama; que tinha renegado o meu mundo e os limites do meu sítio; que tinha recorrido à cidade de cimento... O meu prometido!

Fazia frio e vento, e um implacável silêncio cobria-nos com um manto espesso de alcatrão. Não conseguia respirar nem sentir o corpo. A cabeça estava zonza e um fio de sangue quente corria-me por entre as trémulas pernas. Tentei tapar, em vão, a minha nudez. O cigano caminhava, decidido, na minha direcção; as botas pesadas marcavam o território com irascibilidade. Não se mostrou hesitante em momento algum; permaneceu impassível. Pegou-me ao colo como se fosse sua e não tivesse sequer vontade própria, e levou-me para a sua barraca. O burrico e os cavalos estavam irrequietos; o resto do acampamento dormia sossegado.

Deitou-me em cima do colchão que iria ser nosso; o nosso leito de núpcias e para toda a vida em comum. De seguida, arrancou-me avidamente o que restava das roupas rasgadas e despiu a sua camisola com a secura com que me trouxera até ali. Deixei-me ficar imóvel, permitindo ao coração que me mutilasse mais agilmente que o medo. Tremi e chorei. Mergulhou, então, a camisola num balde com água e começou a limpar-me o corpo da terra e relva e pedras, as feridas, o sangue que lentamente me aquecia. E ficou ajoelhado perante o meu ser por um momento; alheio aos meus pensamentos; vertido nele próprio. Depois disso, saiu da tenda e regressou com uma roupa de mulher casada, escura e larga, com o decote bem rente ao pescoço. Vestiu-me e saiu para não mais voltar naquela noite.

A luz do sol era de oiro naquela manhã, semelhante a um clarão de fogo que me cegava a vista. Sentia dores agonizantes no rosto, nas costas, nos seios, entre as pernas; um ardor que me deixava curvada. Levantei-me com dificuldade. Observei o espaço em meu redor, a barraca do meu prometido. No chão de lona, alongava-se um amplo colchão com almofadas de riscas quentes a cobiçar o fronteiro baú dourado. A um canto, erguia-se um espelho desprovido de moldura e uma bacia com motivos florais, um cabide de madeira e muitas salvas de prata que alumiavam o breu com os seus misteriosos raios ardentes.

Quando saí para o exterior, já todos estavam reunidos em redor da fogueira apagada, vigiada pelas cinzas pretas na relva acamada. Calaram-se quando me avistaram. Apenas a minha mãe se esticou e gritou e me apertou, parecendo que lhe faltava a vida.

- Ai! Seu demónio! Ai! Seu animal! – chorou, caindo a meus pés. – A minha menina!

   O resto do mulherio, uma ondulante nuvem negra, murmurava um queixume em coro; uma reza chorada, intervalada com gritos desmedidos, palavrões atirados em flecha. Uniam as mãos a Deus e amarfanhavam o rosto ao vento. Pediam por mim.

19 de fevereiro de 2020

mais do mesmo

Meninas, vamos falar de unhas?

Basicamente, não há muito a acrescentar.
Continuamos a querer o gráfico e o simples.

Dare to be different.

14 de fevereiro de 2020

daoming si

Ainda no rescaldo do Meteor Garden, ontem, quando fui à loja dos chineses, apeteceu-me meter conversa com a senhora que estava ao balcão e dizer-lhe que vi a série chinesa todinha de fio a pavio.
Mas depois achei melhor não dizer nada.

Foi muito complicado conseguir conter dentro de mim tanto sentimento!

13 de fevereiro de 2020

a cigana # 5

Vi homens e mulheres bonitos como nunca pude imaginar! Arranjados, perfumados, de olhos e cabelos claros! Elas, com saltos altos e reluzentes, e saias curtas; eles, de barba feita, alguns de gravata. Caminhei muito tempo à deriva, sem saber o que fazer, a quem me dirigir, o que pedir, o que dizer. Sentia fome. Calculei que já passasse do meio-dia, dado que o sol se precipitava do pico do céu e as lojas começavam a fechar. Foi mais tarde que arranjei coragem e entrei numa loja de calçado. Tomei fôlego, descaí a cabeça, em sinal de humildade e respeito, e ultrapassei o limiar da porta.

– Boa tarde...- percorri o chão macio e suave e cheiroso até à senhora loira e lindíssima que me olhava por trás do balcão.

Mas, mal abri a boca já ela, afogueada, me açoitava porta fora. Atirou-me os olhos redondos e autoritários, a voz esganiçada – Vá-se embora! Não damos esmolas! – arrastou-me, furiosa, como se o mal fosse agredi-la com a minha presença.

Entrei em mais de uma dúzia de lojas e tive, em todas, reacção idêntica. Não me deram a oportunidade sequer de pedir desculpas pelo mal causado. Nada. Unicamente os cães rafeiros e abandonados me circundavam e me compreendiam a rejeição.

O dia escureceu não tardou muito. Reparei que me tinha afastado consideravelmente e que estava perdida, sem destino, sem saber como ou se queria regressar ao sítio. Perdida!

A noite caía limpa e densa de contas brilhantes. Já era tarde quando avistei um polícia e me dirigi a ele. Sabia que não tínhamos leis comuns, mas era a minha única esperança.

- Olá... – cumprimentei, receosa.

- Olá, pequena! – saudou-me sem discriminação; quase como se eu fosse um deles, da cidade de cimento e tijolo, da mesma carne e do mesmo sangue. Igual.

            Tive um pouco de dificuldade em percebê-lo, que se a língua que falávamos era a mesma, a mim me parecia outra bem mais embrulhada e difícil de decifrar. Lembrei-me da minha amiga da escola, loira e esguia de tranças, e apercebi-me de que não só a fala era parecida, como também a entoação e a simpatia na doçura das palavras.

            - Fugi de casa... querem-me obrigar a casar e... – as lágrimas e os soluços acudiam-me e atropelavam-me os pensamentos. – Eu só queria um emprego...

            E o senhor simpático e bondoso afagou-me com cuidados. – Com que então, queres um emprego? Isso cá se arranja! Precisas é de te alimentar, de vestir um agasalho, que está a fazer frio e esses ombros à mostra... – e levou-me com ele no carro novo de luzes grandes a piscar.

O automóvel parou um bom bocado mais à frente, no resguardo da berma da estrada, junto ao rio que banhava o meu “sítio” com a certeza da sua serenidade. E o senhor olhou-me e eu não percebi. Não percebi que a crueldade não existe só no meu povo, mas em todo o lado. Subitamente, e com todo o prazer que uma gargalhada sonora pode conter, atingiu-me com um tremendo soco, que me lançou de encontro ao vidro. Excitado, arrancou-me a roupa num só puxão e, com as mãos nas goelas, fez-me calar! As forças? Perdi-as a tentar soltar-me... enquanto a cabeça, em fisgadas, girava numa agonia veloz. De seguida, senti as cuecas a rasgarem-se impiedosamente nas suas mãos firmes e decididas, e uma dor imensa fez-me sangrar! Segurando-me os seios e gemendo, deixou-se estar, sôfrego, violento, afogueado, em cima de mim e, depois de saciado, abriu a porta e atirou-me num pontapé pela ribanceira abaixo. O corpo aos encontrões na pancada das pedras! Perdi a visão; os sentidos também.

12 de fevereiro de 2020

pim, pam, pum

Se tivesse uma máquina do tempo e pudesse voltar atrás e conhecer alguém realmente importante, estava indecisa entre Gil Vicente, Antero de Quental e Fernando Pessoa.
E vocês?

11 de fevereiro de 2020

parfois

Rendi-me a estas pulseiras de inox da Parfois.
São lindas.
Ajustáveis.
Nunca as tiro.

Uma tem a forma de coração e é fofucha.
A outra é simples e minimalista e tem tudo que ver comigo.

Estilo!!!

6 de fevereiro de 2020

a cigana # 4

Eu e a minha família nunca estamos muito tempo no mesmo sítio. Refiro-me a “sítio” como à minha casa, ou ao meu lar; simplesmente não me é permitido dizer casa, pois não tenho cortinas, muito menos paredes! Como estava a dizer, nunca ficamos muito tempo em cada sítio. Às vezes, dado que o frio se torna demasiado ou a chuva abundante; outras, porquanto o negócio vai mal e seguimos para terras de feiras maiores, onde os compradores abundam e o dinheiro vem melhor ao fim do mês. Outras vezes ainda, porque, de quando em quando, estalam grandes discussões entre nós, que terminam em tiroteios e até em mortes! Alguém que matou o cunhado com três tiros de caçadeira quando o apanhou na cama com a mulher, ou porque lhe abusou da filha mais nova. É complicado viver assim... É certo que não temos regras, nem leis conforme vocês e, no entanto, as vossas leis invadem-nos e tomam elas conta de nós! Não é justo, pois o povo cigano é a própria erva que se molda ao vento e ondula com ele. Nós não temos forma nem pertencemos a lado algum, apenas agimos com e para a Natureza...

Tinha quinze anos quando me obrigaram a casar. Quis fugir e ser como tu, livre e ágil como um pássaro, não como a relva que já tem um destino previamente traçado! Chorei dias e dias seguidos. Sempre tinha imaginado que a vida era um sonho e nada o podia quebrar! Acho que estava enganada... Desejava com todo o ardor sair daquele mundo, romper a teia que me acorrentava com malícia e seguir o rumo da minha alma. Estava confusa e perdida, mas tinha plena consciência que, se transpusesse a fronteira que nos separava, também tu não me aceitarias!

Conheci justamente nessa límpida noite de lua cheia aquele que viria a ser inevitavelmente o meu futuro marido. Era um homem bem mais velho do que eu, alto, seco, quase franzino, de negra barba e olhar indiferente. Exibia um largo anel no dedo indicador e um dente reluzente; ambos de oiro.

À hora do jantar, os homens e as mulheres partilharam excepcionalmente uma só mesa, em sinal de comemoração. Fizeram uma festa de cor, danças e cantares da minha longa tristeza. Quanto ao meu noivo, não me dedicou o olhar uma única vez durante longas horas. Brindava-me, sim, com a sua indiferença, cedendo cobardemente a um compromisso traçado pelo destino antes de os nossos corpos se terem definido, antes ainda de o nosso coração chegar a bater! A cerimónia ficou marcada para dali a um mês, data em que abandonaria o meu povo e seguiria com o dele. Um mês!

Incrédula, precipitei o olhar espelhado no aglomerado de prédios despidos, na tentativa vã de arranjar coragem para procurá-los e desistir de tudo. Passaram-se dias, semanas, um mês... Todas as manhãs, todas as tardes, todas as noites, tinha a irrevogável obrigação de atendê-lo tal qual uma súbdita, uma escrava, um objecto contemplativo. Cozinhava para si, lavava-lhe as roupas, cosia-as e remendava-as paciente e submissamente, acendia a fogueira e dançava para seu contentamento. Mostrava-lhe, evidentemente, os meus dotes, que era prendada, que iria dar uma boa mulher e uma boa parideira.

Faltava um dia para o casamento. Somente um dia! E foi então que o desespero me precipitou para o mundo de cimento; o mundo que sempre me desprezou e que agora o procurava e via nele a solução única para os meus males. Resoluta, acordei cedo e desapareci sem dar satisfação a ninguém. Fui como pude; descalça, de farrapos velhos e sujos numa saia comprida e rodada; uma trança negra quase até à cintura; umas argolas de oiro torcido. Aventurei-me.

4 de fevereiro de 2020

o sapatinho foi à rua # 512

Olá!

A minha paixão, como sabem, são as cores e os padrões.


Neste look descontraído, temos o castanho que se mistura inesperadamente com o vermelho.

Às páginas tantas, ups!, o padrão gráfico cruza-se com o xadrez.

*

A juntar à festa, há as calças curtas de cintura subida.

E os loafers-que-estão-sempre-na-moda (super intemporais!!).

E o cabelo por dentro do casaco.

Boa disposição.


Boa semana para todas!







camisola de lã fria preta: Caroll
calças ao xadrez: Pull&Bear
loafers em pele: H&M
bomber: Zara (secção de homem)
óculos de sol: Ray Bain

1 de fevereiro de 2020

os meus cinco minutos # 39



Camões, tal como Fernando Pessoa, procura enaltecer o povo português, evocando os feitos que o torna singular.  Este herói coletivo, predestinado para chegar mais além, destaca-se pelas suas “obras valerosas”, sendo cantado numa dialética material/ onírica.


Em Os Lusíadas, podemos mencionar um herói de dimensão humana e histórica. Os protagonistas que dão voz a esta epopeia são Vasco da Gama e os marinheiros portugueses que se sagram na diáspora dos Descobrimentos, na sua viagem marítima até à Índia.  São, assim, valorizados pela sua ousadia e coragem perante o desconhecido, superando a sua própria condição humana e sendo elevados à categoria de deuses. Tal verifica-se na recompensa pelos seus atos, no capítulo IX, na Ilha dos Amores, destino reservado aos deuses.

Já na Mensagem, o herói não se inscreve num tempo ou num espaço determinado, assumindo uma vertente mítica/ simbólica. D. Sebastião representa a ambição e a coragem espiritual que podia fazer renascer a glória da pátria. Aqui, Pessoa atribui um caráter contemplativo ao herói, como é o caso de D. Dinis, que age como instrumento da vontade divina. Agora é “A Hora”, “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”. Falta cumprir-se Portugal num plano cultural e civilizacional e a crença na edificação do Quinto império consagra-se na frase “Valete, Frates”.

Em suma, ambos os autores têm como missão a valorização dos atos dos portugueses, com vista ao alavancamento da identidade nacional numa conjuntura política, económica e social fortemente debilitada.

A morte de Portugal é a semente para a ressurreição messiânica de um povo eleito que se irá erguer das cinzas.