Vi homens e mulheres bonitos como nunca pude
imaginar! Arranjados, perfumados, de olhos e cabelos claros! Elas, com saltos
altos e reluzentes, e saias curtas; eles, de barba feita, alguns de gravata.
Caminhei muito tempo à deriva, sem saber o que fazer, a quem me dirigir, o que
pedir, o que dizer. Sentia fome. Calculei que já passasse do meio-dia, dado que
o sol se precipitava do pico do céu e as lojas começavam a fechar. Foi mais
tarde que arranjei coragem e entrei numa loja de calçado. Tomei fôlego, descaí
a cabeça, em sinal de humildade e respeito, e ultrapassei o limiar da porta.
– Boa tarde...- percorri o chão macio e suave e cheiroso
até à senhora loira e lindíssima que me olhava por trás do balcão.
Mas, mal abri a boca já ela, afogueada, me
açoitava porta fora. Atirou-me os olhos redondos e autoritários, a voz
esganiçada – Vá-se embora! Não damos esmolas! – arrastou-me, furiosa, como se o
mal fosse agredi-la com a minha presença.
Entrei em mais de uma dúzia de lojas e tive, em
todas, reacção idêntica. Não me deram a oportunidade sequer de pedir desculpas
pelo mal causado. Nada. Unicamente os cães rafeiros e abandonados me
circundavam e me compreendiam a rejeição.
O dia escureceu não tardou muito. Reparei que me
tinha afastado consideravelmente e que estava perdida, sem destino, sem saber
como ou se queria regressar ao sítio. Perdida!
A noite caía limpa e densa de contas brilhantes.
Já era tarde quando avistei um polícia e me dirigi a ele. Sabia que não
tínhamos leis comuns, mas era a minha única esperança.
- Olá... – cumprimentei, receosa.
- Olá, pequena! – saudou-me sem discriminação; quase como se eu fosse um deles, da cidade de cimento e tijolo, da mesma carne e do mesmo sangue. Igual.
- Olá, pequena! – saudou-me sem discriminação; quase como se eu fosse um deles, da cidade de cimento e tijolo, da mesma carne e do mesmo sangue. Igual.
Tive um pouco de
dificuldade em percebê-lo, que se a língua que falávamos era a mesma, a mim me
parecia outra bem mais embrulhada e difícil de decifrar. Lembrei-me da minha
amiga da escola, loira e esguia de tranças, e apercebi-me de que não só a fala
era parecida, como também a entoação e a simpatia na doçura das palavras.
- Fugi de casa...
querem-me obrigar a casar e... – as lágrimas e os soluços acudiam-me e
atropelavam-me os pensamentos. – Eu só queria um emprego...
E o senhor simpático e
bondoso afagou-me com cuidados. – Com que então, queres um emprego? Isso cá se
arranja! Precisas é de te alimentar, de vestir um agasalho, que está a fazer
frio e esses ombros à mostra... – e levou-me com ele no carro novo de luzes
grandes a piscar.
O automóvel parou um bom bocado mais à frente, no
resguardo da berma da estrada, junto ao rio que banhava o meu “sítio” com a
certeza da sua serenidade. E o senhor olhou-me e eu não percebi. Não percebi
que a crueldade não existe só no meu povo, mas em todo o lado. Subitamente, e
com todo o prazer que uma gargalhada sonora pode conter, atingiu-me com um
tremendo soco, que me lançou de encontro ao vidro. Excitado, arrancou-me a
roupa num só puxão e, com as mãos nas goelas, fez-me calar! As forças? Perdi-as
a tentar soltar-me... enquanto a cabeça, em fisgadas, girava numa agonia veloz.
De seguida, senti as cuecas a rasgarem-se impiedosamente nas suas mãos firmes e
decididas, e uma dor imensa fez-me sangrar! Segurando-me os seios e gemendo,
deixou-se estar, sôfrego, violento, afogueado, em cima de mim e, depois de
saciado, abriu a porta e atirou-me num pontapé pela ribanceira abaixo. O corpo
aos encontrões na pancada das pedras! Perdi a visão; os sentidos também.
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