O conto “O Acidente” de Gao Xingjian retrata um acidente de trânsito ocorrido numa rua da China, em frente a uma oficina de conserto de rádios. Primeiramente, o escritor descreve os acontecimentos que antecederam o mesmo: as pessoas que caminhavam pelas ruas; um homem de bicicleta com um carrinho de bebé preso à frente, pedalando diagonalmente pela rua; os carros que por ali circulavam; e o autocarro que vinha do lado contrário sem parar. Finalmente, quando o homem da bicicleta segue em direção ao autocarro, o motorista começa a travar, mas não conseguiu parar a tempo, atingindo-o fatalmente. Temos a perceção de que, quando o homem da bicicleta viu que o autocarro o ia atropelar, empurrou propositadamente o carrinho do bebé para fora do caminho, para, assim, poder salvá-lo. Após o autocarro ter embatido no homem, a bicicleta ficou completamente destruída, mas o bebé sobreviveu.
Este conto começa com uma descrição pormenorizada da cidade,
como se o escritor nos levasse a percorrer uma metrópole asfixiante e
castradora, à hora de ponta, fazendo-nos mergulhar num universo idêntico ao de
Cesário Verde, o observador acidental. Também nós nos damos conta da falta de
solidariedade presente em algumas falas dos transeuntes que representam a
cidade anónima e disfórica:“- Ele procurava a morte. Nem com as buzinadelas e
travagens deu passagem e atirou-se claramente para debaixo do autocarro… -
retorquiu uma mulher que usava mangas de alpaca, uma revisora que acabava de
descer do autocarro. “
Ainda o desprezo pelo outro se torna nítido quando alguém
comenta “- Eu só quero é passar também.” Desta forma, o sentimento de clausura
que a cidade provoca acaba por ser o palco de um acidente mortal, em que a
vítima não conseguiu, também ela, escapar a este espaço exíguo, que a confinava
a uma existência sufocante. Assim, a cidade, símbolo do desenvolvimento e do
progresso, aparece como uma Babel opressora, paradigma de todos os males e
promotora de um individualismo gritante. Este tipo de comportamento é, muitas vezes,
frequente em meios onde as pessoas não se conhecem, como é o caso das grandes
cidades: “Nesta cidade de vários milhões de habitantes, só a família e alguns
amigos próximos deviam saber quem era e, neste momento, certamente nem estavam
ao corrente do sucedido, sobretudo se o defunto não tivesse consigo qualquer
documento que permitisse a sua identificação.”
O final do conto é, na minha opinião, um pouco desconcertante. Tudo cai no esquecimento, como se nada tivesse acontecido, como se os sentimentos e as pessoas não fossem importantes numa cidade fria, artificial e opressora que agoniza o leitor, por se encontrar impotente e não conseguir levantar-se e mudar o rumo da história: a morte é, assim, inexorável e a esperança não parece ser alcançável.
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