Em "O sentimento dum Ocidental", de Cesário Verde, encontramos um espírito antiépico, nomeadamente, na atitude do sujeito poético face à realidade observada. Verifica-se, de facto, a descrença nas capacidades humanas num universo citadino gritante. Mergulhamos, então, numa viagem pela urbe que representa a degradação social e moral de um espaço "non grato". Embora as personagens sejam marcadamente antiépicas, tais como os marginais - os ladrões, os bêbedos, os jogadores ou as prostitutas - , ociosas e artificiais - dentistas, arlequins e lojistas -, a sua exaltação é palpável, cingindo-se unicamente às classes trabalhadoras. Já em Os Lusíadas, de Camões, assistimos, numa abordagem superficial, a um espírito aparentemente épico, com a exaltação das capacidades humanas. Todavia, o pano de fundo esconde um espírito avesso que se rebela e deixa antever a matéria que será o mote de Mensagem, de Pessoa. A viagem camoniana, essa, é marítima e não terrestre, dando conta da diáspora dos Descobrimentos. A personagem épica coletiva é o povo português, representado por Vasco da Gama e pelos marinheiros que com ele percorrem o caminho marítimo para a Índia. Assim, em duas viagens distintas, damos conta de que o povo português sempre foi o herói da literatura portuguesa; aquele que carregou as pedras e perdeu as mãos em guerras que nunca foram suas.
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