6 de outubro de 2020

os meus cinco minutos # 43

 A Laurinha, da música “Dona Laura”, de Miguel Araújo, encontra similitudes inquestionáveis na personagem George do conto homónimo, de Judite de Carvalho. De facto, a Laurinha destemida e decidida, que diz que é crescida e que prescinde dos conselhos do pai, encontra ecos em George, que se revela uma mulher de personalidade vincada, também ela independente e autónoma, dona da sua própria vida. Sem dúvidas, nem receios, George segue o seu caminho, deixando para trás um passado que pretende, a todo o custo, esquecer. Longe da família, e lutando, acima de tudo, pela liberdade, constrói o seu mundo, muda a cor do cabelo, coleciona amores e vai vivendo em casas mobiladas, sem nada que a prenda a ninguém. Longe, sobretudo, do olhar inquisitivo e reprovador de uma mãe que lhe impinge um mundo de aparências que nunca foi das mulheres - daí o pseudónimo masculino. Ao contrário de Laura, George mostra-se economicamente independente, provando que conseguiu ser alguém na vida. Na realidade, metamorfoseando-se, torna-se o oposto do seu arquétipo maternal, pois não lhe bastava ter “um olho na novela/ E o outro na panela”. Não. Isso não lhe bastava. Cosmopolita, tornou-se numa mulher culta e prestigiada, “Toda cheia de cidade” e sem “Nenhum vestígio da miúda outrora santa e singela”, a Gi, com o alto pescoço de Modigliani. Tal como Laura ou o heterónimo pessoano, Ricardo Reis, George “dança até ser dia”, aproveitando o momento presente, numa atitude plena de “carpe diem”, pois o tempo passa, tal como o rio corre para o mar. Georgina sabia disso e nós também sabemos “Que há-de chegar a hora/ Que não poupa ninguém”, o único crime que não pode ser perdoado - a velhice - e, com ela, o vazio devastador que a consome. Nós sabemos, então, algo que George desconhece: que nada, nem mesmo o dinheiro guardado no banco, pode colmatar o espaço em branco deixado pela solidão gritante. Parece-me, pois, que o futuro de Laura será a contiguidade do presente da sua mãe; já o futuro de George será a desertificação resultante de uma infância que a não soube amar, nem compreender e que fez com que procurasse um futuro com conquistas e com prazo de validade.



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