19 de outubro de 2020

os meus cinco minutos # 47


A condição da mulher na sua relação com as figuras masculinas tem vindo a ser desvalorizada e subjugada por cânones totalitários e redutores previamente estabelecidos na literatura, ao longo dos séculos.

Retratada pelos escritores românticos como um ser distante e idealizado pelo amante, a mulher circunscrevia-se, essencialmente, ao ambiente doméstico ou poderia, quiçá, servir como adorno em ambientes sociais, contígua à própria existência masculina. Além do mais, o papel de esposa e mãe virtuosas estaria ainda, indelevelmente, interligado com um estereótipo de beleza ideal, regido por elevados parâmetros petrarquistas, como podemos comprovar, aliás, desde a poesia trovadoresca, resultando numa objetificação óbvia e indiscutível deste género.


Em Os Lusíadas, podemos testemunhar a presença feminina enquanto parte integrante da existência do próprio homem: ventres maternos, esposas e irmãs do peito lusitano que se distinguiu pelos seus feitos valorosos. No canto IX, na Ilha dos Amores, a exploração do corpo feminino como recompensa de atos heroicos faz-nos acreditar que as mulheres eram meros corpos inabitados com o propósito de serem avidamente consumidos e descartados.


Relativamente a Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco, também esta obra, que se insere no Romantismo Português, reforça o ténue papel da mulher na sociedade de então, sendo a sua idealização emoldurada por Teresa. Nesta crónica de mudança social, critica-se uma sociedade retrógrada e repressora, assente em  desigualdades, a começar pela discriminação de géneros e pela insignificância social do elemento feminino. De facto, podemos verificar que Teresa, enquanto mulher, não tem muitas opções de escolha: ou casa com o primo ou vai para o convento.

Da mesma forma, em Frei Luís de Sousa, a mulher, neste caso Madalena de Vilhena, é, mais uma vez, demasiado sentimental e pouco racional, comparativamente ao homem. Logo, o temor a Deus encontra voz no género feminino, retratado como originariamente pecador e submetido ao género masculino. Frágil e delicada, perante Telmo e deus, Madalena revela-se pecadora, adúltera e traidora, submetendo-se ao poder masculino de forma subserviente. 
Torna-se claro que a ideologia dominante masculina tem como porta-voz Telmo, mas encontra-se igualmente presente no discurso da própria D. Madalena, edificando-se, desse modo, a crise identitária da personagem. “Aquele estado” e o perdida “não sei de quê” são fórmulas vagas que representam um descontrolo físico e emocional que vem justificar, mais uma vez, a inquestionável fraqueza feminina. A sua morte simbólica, no final, confirma a perda de identidade da mulher que ousou seguir o impulso da paixão, desvinculando-se do elemento masculino e aniquilando-se, assim, pela imposta ordem dominante.


Estas obras permitem-nos, assim, uma reflexão sobre a conjuntura feminina ao longo dos tempos num diálogo aceso com a figura masculina, dela resultando a sua inegável subjugação. 


Partindo das obras referidas, podemos fazer uma sólida analogia com o cartoon O jogo dos Galos, de José António Santos Corte Real, de 2007, in Desigualdades e Preconceitos

Neste cartoon, observamos o Jogo do galo, em que a totalidade dos quadrados se encontra preenchida com o símbolo genético masculino de cor azul, à exceção do quadrado do meio, preenchido com um único símbolo genético feminino a cor de rosa. 

Podemos entender que, sendo este um jogo estratégico, e uma vez que os espaços se encontram todos preenchidos pelo símbolo masculino, o símbolo feminino não terá qualquer hipótese de ganhar seja o que for. 

Esta é uma forma metafórica de incapacitar o poder das mulheres num mundo maioritariamente dominado por homens.

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