19 de abril de 2019

os meus cinco minutos # 32

No passado, o ser humano era detentor de dogmas morais e religiosos. Aliás, toda a esfera individual, económica, política e social girava em torno dessas certezas inabaláveis. Certezas que ninguém seria suficientemente tolo ou audaz ao ponto de contestá-las, abaná-las, virar-lhes o bico ao prego, ou fosse lá o que fosse.
Claro que a ignorância não duraria toda uma existência e as trevas teriam de dar lugar à luz, à epistemologia e à experiência.
Então, teimámos que sim, que éramos capazes e fomos mais além e entrámos por esse mar adentro e conquistámos impérios e terras viciosas. E voltámos. E criámos um mundo de aparências e vicissitudes que ficou muito aquém do que havíamos sonhado. 
Um Quinto Império que ficou por terra, falhado!

A metamorfose teria de acontecer um dia.
 E aconteceu.
Aconteceu assim que a Revolução Industrial eclodiu.
Assim que as urbes surgiram e, com elas, o saneamento, a vacinação e as bibliotecas e as universidades. O ser humano conquistou o seu pódio cognitivo. Lutou pelos seus direitos. Filosofou e historiou. E fez cálculos matemáticos e foi-se redescobrindo a si próprio no meio do caos, do conhecimento e da culpa. 

Então, a pouco e pouco, as nossas vaidades e o progresso e os centros comerciais substituíram a Igreja, e o conceito de pecado esbateu-se. O Deus vingativo e punidor foi escorraçado e deu lugar a um deusito apagado e anorético que, em pouco tempo, passou despercebido e caiu no esquecimento.
A culpa e o pecado deixaram de existir, bem como os conceitos absolutos e imutáveis. O ser humano omnipotente passou a pôr e a dispor.
A noção de certo e errado, bem e mal,  deixou de fazer sentido e deixou de ser equacionada.
A crença deu lugar ao pensamento lógico e abstrato; pensamento este despojado de valores. Um pensamento que nos elucida e não nos leva à  cegueira intelectual, mas que nos cega a alma.

 Ao comungarmos com a nova sociedade de credos capitalistas, aceitamos um pouco de tudo, o consumismo, a superficialidade e o vazio. Olhamos para o nosso próprio umbigo e reparamos quão belos e inteligentes somos e focamo-nos unicamente no nosso bem-estar. O outro deixa de existir, o próximo. E só nós somos os santos e os altíssimos. Nós, que não sabemos distinguir o bem do mal. O justo do injusto. 

Sou eu, eu, eu, eu e mais eu!
O resto não importa.

É certo que a nossa sociedade eliminou as formas mais brutais de abuso, os autos de fé, as fogueiras, as touradas. E tenta lutar pelo equilíbrio ecológico com receitas de reciclagem, dietas vegan e obras de caridade que nos fazem vir as lágrimas aos olhos, mas suspeito que nos tenhamos  perdido, algures, pelo caminho. 

Quiçá, encontrámo-nos com a hipocrisia, esbarrámo-nos nos desasatres sociais e naturais, fruto do nosso egoísmo individual e coletivo.
Agora, irremediavelmente perdidos e sem crenças, oramos a Deus e pedimos para que Ele exista, por favor, por favor! que exista!, pois a vida não faz sentido quando não encontramos uma solução para o caminho que traçámos.

Avé Maria!

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