5 de abril de 2019

os meus cinco minutos #31

D. Quixote de La Mancha, de Cervantes, tem, no seu âmago, um pouco da loucura de todos nós. Idealista e sonhador, mais do que muitos e mais do que todos, combate a catrefada de pálidos moinhos e caudalosos monstros reticentes, que não são mais do que os nossos falhanços, os nossos medos -  cada obstáculo e cada pedra que, inevitavelmente, nos tolda o caminho árduo e fraudulento e nos impede de ir mais além.

O Cavaleiro da Fraca Figura, digo-vos, de fraco não tem nada.
Determinado e escudado pela leitura, isso sim, não desiste da sua demanda, ainda que onírica.
Antes, arregaça as mangas e luta por aquilo em que acredita, sejam Dulcineias, sejam os valores cavaleirescos, seja o diabo a quatro, insistindo nos seus objetivos, defendendo os seus ideais, terminantemente, enquanto um punhado de gente, justiceira e acalorada, o chama louco!

Louco, sim!

Doido varrido!!

Corrompido pelas suas leituras e pelo seu ceptro - glória, honra e coragem -, vira as costas a uma sociedade de estereótipos, em que todos representam um papel tributável e padronizado.
Audaz, e numa postura petrarquista, atreve-se a ser outro e a homenagear a literatura, arma capaz de metamorfosear o comportamento de um indivíduo.

E não vamos mais longe, que até o pobre Sancho Pança, por exemplo, o pacato camponês ambicioso que come a sopinha toda, - reflexo do materialismo  e da ambição desmedidos -, que o acompanha em troca de riquezas, se deixa contagiar pelo doido varrido.

Ao lado de um sonhador, que remédio!, acaba por se tornar um sonhador também.

A imaginação de D. Quixote é o óculo transfigurador da realidade que troca o tédio da burguesia por uma irreverência de demónios, única e exclusivamente, por paixão.

E, digam lá, não é a paixão a mais sã das loucuras?

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