28 de fevereiro de 2019

os meus cinco minutos # 29

O Velho do Restelo tem sido desprezado e chicoteado ao longo dos tempos e até injustamente banido do programa de Português do terceiro ciclo e do Ensino Secundário.
Um pária.
Um renegado.
Um excomungado.
Erradamente tido como um oponente à mudança, toca de pontapeteá-lo, sem lhe darmos a oportunidade de se defender, pois é muito fácil falar dos outros quando eles cá não estão.
Pior!
Já não temos um Saramago que lhe pegue e lhe crie o ano da morte de Camões e lhe dê voz.
Não.
Nada disso.
 Temos um século XXI inteirinho a apredejá-lo, quando o pobre diabo apenas nos quis alertar para os perigos e para os mostrengos que nos consumiriam e nos chupariam a carne e os ossos, que a alma já não tinha salvação.

Então, não é que, em finais do século XV, os que mandavam, decidiram, lá do alto, enviar-nos, de malas e bagagens, para o cu de Judas, quando tínhamos à perna os tramados dos Mouros?
Logo ali, a dois passos de distância?
E os Castelhanos e o caneco?
Mas nós não.
Fizemos ouvidos moucos, pois não nos interessava ouvir poucas e boas.
E toca de pôr o Zé Povinho a abandonar as mães, os filhos, as mulheres e o país  para se enfiar, durante uma eternidade, num bendito lenho, apanhar escorbuto e outras doenças que tal e morrer à fome, para dar de comer e beber e outras riquezas aos mais abastados.

Caramba, não tínhamos nós trabalhos suficientes por cá e ainda queríamos a glória de mandar, a vã cobiça, a fama, "Nomes com que se o povo néscio engana", para mostrar ao mundo que éramos diminutos em tamanho, mas grandes na alma?

Conseguimos ir mais além, de facto, mas não soubemos, de todo, lidar com algo demasiado grandioso, que nos ultrapassou e que foi a nossa morte, ainda que espiritual, cultural, civilizacional e económica.

A história da carochinha (não me interpretem mal, pois não sou contra ela, nem contra o Mar Português), quando chega ao canto IV, parece, finalmente, pôr os pés bem assentes no chão, no meio de tanta gabarolice.
Bem-haja o bom Velho do Restelo!

Mas calma.
Calma, que o sopro épico renascentista de Os Lusíadas, para que se saiba, é igualmente contrariado por uma ideologia terminantemente antiépica, através da qual se pinta, não a confiança, mas a dúvida inerente ao destino e aos Atos dos portugueses.
A dúvida, sim.
A dúvida.
Camões exalta e glorifica.
Mas não só.
Ele é o mediador crítico que faz a radiografia lúcida e obscura de uma realidade caótica que parece instalar-se e arrastar-se no seio da sociedade portuguesa.
Ele, melhor do que ninguém, conhece os erros, os defeitos e os crimes de muitos lusos e, mais!, acena-nos com eles, eriçado, em bicos de pés.

Olhem!
Olhem!

Sim, cumprimos Portugal, mas a pátria ficou por cumprir-se.
Valeu a pena?
"Tudo vale a pena se a alma não é pequena", lá disse o outro, um dia.

E a nossa alma, por acaso, provou ser grande?

Apenas a nossa fé e esperança alcançam limites desproporcionais na busca incessante de um messias, abraçando o sebastianismo e, advenientemente, acatando a passividade de cruzar os braços à espera de um salvador.

Por que não deixamos os mitos, os sonhos e as profecias de lado e arregaçamos as mangas, agora, de uma vez por todas?

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