17 de setembro de 2017
os meus cinco minutos # 18
Portugal. Quiçá Brasil.
Século XVII.
Chega a Inquisição e bate à porta do António.
Truz! Truz! Truz!
Chega armada, a Inquisição.
Arrogante e altiva.
Mas é ela quem manda e António sabe-o bem.
Então, coseu-lhe a boca e atou-lhe as mãos, para que não orasse e para que não pintasse.
Disse-lhe que a culpa era do Barroco.
Que o denunciara.
E bastava isso.
Bastava alguém apontar o dedo para que todas as portas se abrissem e tudo acabava, inexoravelmente, por desaparecer. Até a própria existência.
Barroco vem da palavra "barrueco" que significa pérola imperfeita.
Por isso mesmo, por ser imperfeita, ainda que com o estatuto de pérola, o "barrueco" foi, durante muitos anos, uma designação altamente pejorativa que caracterizava formas de escrita, pintura e escultura consideradas pelos amantes da simplicidade como um estandarte de mau gosto; eram demasiado excêntricas, extravagantes, teatrais.
António criava, precisamente, formas de arte espetaculares e faustosas, longe da simplicidade do vizinho Renascimento, recatado e silencioso e, portanto, sensato e inteligente.
António era ruidoso e isso incomodava.
Claro que António precisava do Barroco como um mendigo precisa do pão para a boca.
O Barroco era a sua tentativa de fuga a um ambiente pesado e excessivamente vigiado, pois todos sabemos que a falta de liberdade conduz à evasão.
Então, como estava a dizer, a Inquisição entrou-lhe porta adentro.
Consumiu-o.
Revirou-o.
Coseu-lhe a boca e atou-lhe as mãos e António ficou pequeno, pequenino, pequeníssimo.
António encolheu-se e cabia na palma da mão.
Media cinco centímetros apenas, se tanto!
A Inquisição sacudiu-o, com unhas e dentes, rasgou-o e feriu-o e largou-o, por fim, inerte.
Mas ficou de atalaia, à espreita, de peito feito, muito bem encostadinha junto à porta, junto às janelas, por entre as ruas e nos rostos das pessoas que se cruzavam consigo.
E deixou-lhe o Medo.
E o Medo passou a ser como um cão.
Passou a segui-lo, a farejá-lo, a deitar-se aos seus pés e a lamber-lhe as feridas.
O Medo passou a dormir consigo e a comer ao seu lado.
- Vieira!
Mas não era ninguém.
Era apenas o Medo que o consumia, pois a Medo vivia, a Medo escrevia e a Medo calava.
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