Hoje de manhã, saí do carro carregada de livros, como, aliás, todos os dias. Sentia o corpo pesado como chumbo. Era o manual x, era o caderno y, eram as inúmeras fotocópias soltas, devidamente ordenadas, que os livros engoliam no seu âmago como uma grande dentadura branca e desalinhada. E depois era tentar sair do carro, equilibrar tudo na mão, os livros, a mala, o estojo, a garrafa de água, trancar a porta e procurar a chave da escola entre porta-moedas, telemóveis, pacotes de bolacha, agendas e maquilhagem. Afinal de contas, no meio de tanta tralha, sinto que nunca deixei verdadeiramente a escola, por uma razão ou por outra.
Nisto, uma rajada de vento inusitada, daquelas que nos apanham irremediavelmente desprevenidas e nos reviram as golas e os cabelos e os casacos, fez estremecer as fotocópias adormecidas nos livros, dezenas delas!, que, esbaforidas, conseguiram escapar e voar, num magote, para a estrada. Uma nuvem branca e compacta foi elevada no ar e arremessada em todas as direções, em tiroteio.
Um carro que por ali passava parou; se não parasse, ficaria sem as minhas fichas e o meu trabalho.
Aqueles segundos pareceram-me horas irremediáveis.
Seria impossível reaver tudo.
Então, um senhor e uma senhora dos seus vinte e muitos anos saíram da parte de trás do carro, que continuava parado no meio da estrada.
Sem me dizerem nada, correram para apanhar as minhas folhas, uma a uma, na beira da estrada, ao longo de muitos metros de asfalto e debaixo dos carros estacionados.
Correram.
Baixaram-se.
Esticaram-se.
Na realidade, quase se deitaram para chegar a todos os sítios e para me entregarem todas as folhas, uma a uma, em mão.
Eram minhas, as folhas. Não deles.
Agradeci.
Claro.
Uma.
Duas.
Três vezes.
Já repararam que temos o poder de mudar o dia de alguém?
Sem comentários:
Enviar um comentário