Ontem, encontrei uma pessoa que foi muito importante para mim.
Olhámo-nos, incrédulas, e demos um abraço apertado que fez o tempo estreitar-se ali, até caber na algibeira.
Já não nos víamos há anos!
Não sei quantos, mas há anos.
Quando frequentei o décimo segundo ano, mudei de escola durante o ano letivo e acabei por perder matéria.
Então, os meus pais puseram-me numa explicação de Literatura Portuguesa.
Não sei como cheguei a este contacto, mas tive o privilégio de conhecer a professora Helena Aleluia. Era uma senhora muito nova que me ensinou muito do que sei ainda hoje. Posso mesmo dizer que me ensinou a escrever "a sério".
Quando somos mais novos, escrevemos e não pensamos bem na forma como estruturamos as ideias ou o texto...
Punha-me à frente provas de exame e, durante duas horas, escrevia sem parar, o mais rápido que podia, até me doer a mão.
O meu raciocínio fluía e a caneta tentava acompanhá-lo.
Se errasse, voltava a escrever novamente, sem erros; se não errasse, voltava a escrever, até ficar perfeito.
Depois, a professora Helena marcou-me, inquestionavelmente, a nível humano.
Conversávamos muito.
Aquelas duas horas passavam a voar!
Um dia, perguntou-me se a podia ajudar a fazer embrulhos.
Era quase Natal.
Juntas, embrulhámos imensos brinquedos.
Ia a um orfanato de rapazes oferecer os presentes e perguntou-me se queria acompanhá-la.
Sem pensar, disse imediatamente que sim.
Foi um momento que me marcou bastante.
Chegámos ao orfanato, no Bom Sucesso, naquela altura do dia quando arrefece e se torna quase noite.
Um magote de cabecitas ávidas debicavam-nos, em bicos de pés, atentas, junto a um edifício escuro que mal se vislumbrava.
Eram crianças pequenas. E eram adolescentes, mais crescidos.
Correram até nós como o vento.
Mais até mim; não sei, talvez por ser mais nova.
Abraçaram-me e agarraram-me de tal forma que me aleijaram e tiveram de os afastar.
Depois, os mais pequenos começaram a abrir as prendas numa euforia desgraçada.
Ficaram tão felizes que todos os Natais de todos os anos pareciam ter entrado ali, por aquela portinha adentro!
Os mais velhos abriram os presentes mais tarde, quando acharam que já não tinha mal, pois UFA! não estava ninguém estava a vê-los.
Recordo-me, particularmente, de um menino pequenino.
Não sei que idade teria; talvez quatro, cinco anos.
Era tão pequenino!, agora que me lembro.
Sei que olhava para mim, nervoso, com uma felicidade tremenda que rasgava o silêncio entre nós.
Ria-se muito e repetia vezes e vezes até lhe perder a conta:
"Sabes, eu estou aqui, mas tenho mãe.
Ela vem cá ver-me, um dia.
Não sei quando, mas vem.
Não tem tempo.
Mas sabes, eu tenho mãe."
Obrigada, Professora Helena, por tudo; também por estas lembranças.
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