25 de dezembro de 2016

os meus cinco minutos # 4

É dia de Natal.
Entramos no carro, com as crianças, e vamos engolindo a estrada, de boca cheia.
O céu está limpo, azul, e os vidros embaciam-se um pouco.
Só um pouco.
Ligamos a sofagem que sopra pelas pernas acima e lambe os vidros mansamente.
Os campos estão verdes e solitários. Parecem adormecer ao relento, órfãos, sem pai nem mãe. São pulmões que ondulam e cheiram o manto de orvalho que os envolve longamente. Pegam-lhe ao colo e embalam-no, ao manto.
Os arbustos viçosos ostentam, orgulhosamente, as fartas cabeleiras, como pavões eriçados que se mostram, vaidosos.
As árvores, nuas e arrepiadas, deixam-se intimidar por outras, meio-vestidas, gabarolas, altivas.
Do rádio, saltitam músicas natalícias cá para fora, aplaudem e fazem uma festa, animam-nos, com sinos e vozes quentes.
A sofreguidão impaciente do Natal já passou.
É verdade.
Já passou.
Os abraços apertadinhos de saudade já passaram.
A distância, felizmente, já se encurtou e que bom que foi.
Já se abriram os presentes, todos eles.
Já se rasgou o papel de embrulho, com ímpeto, a bom rasgar.
Já se guardaram, cautelosamente, os laços e os lacinhos brilhantes, em flor, na gaveta para servirem para o ano. Nunca se sabe.
Estamos vazios e pequeninos, agora, perante a paisagem linda e verdejante e grande que nos enche.
Não há palavras.
Juro.
Não há.
Mas há lembranças e acalmia.
Há paz.
Há amor.
Há famílias dentro dos carros, a enchê-los, e fora dos carros, na conversa, em abraços.
Um emaranhado de pássaros escuros enche o céu, aqui, e despe-o, mais além. São riscos escuros que apunhalam o ar, em setas soltas e sábias.
Um carro e outro e mais outro vão à nossa frente. Um grande, um pequeno e um minúsculo, a ziguezaguear a estrada e a arrepanhar caminho. São cores. Azuis, verdes, brancos, vermelhos...
Soluçam, alvoraçadamente, nas passadeiras e nas rotundas e nos cruzamentos.
Engasgam-se e voltam a ganhar terreno.
Nisto, um plástico é atirado do carrito que segue à nossa frente.
Rasga o ar, dramaticamente, e para na estrada.
Some-se.
Como há mãos que violentam e matam e não querem saber!
Andam cegas, elas!, as mãos! e cegam os outros!
Durante a viagem, sim, volta a acontecer.
Um outro carro e uma outra mão e mais um outro papel ou o que quer que seja é arremessado pela janela.
Sim.
Outro.
Juro.
Mais uma mão que vê a natureza e é capaz de destruí-la, pois não sabe, ou não quer saber, ou sabe e não se importa.
É triste.
E é Natal.

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