A Maria é uma miúda magra. Tão magra que ralham com ela para comer, que não come nada de jeito, que parece um pau de virar tripas, uma trinca espinhas.
A Maria é pacata e envergonhada e esconde-se nos ombros e adormece por lá.
Tem doze anos de idade.
Naquele dia de inverno ou verão ou também não importa, saiu da escola, à hora do almoço, e veio para casa a pé, como era habitual.
Morava perto.
Talvez a quinhentos metros dali.
Não mais.
No caminho de ter de pisar só as pedras escuras e evitar as brancas, sob pena de morte, aos saltinhos, encontrou uma velha muito velha, muito gorda e muito pesada, que cheirava muito mal.
Estava sentada na soleira da porta de um prédio em banda; pregada ao chão; quase da largura da própria porta.
O cabelo era preto de azeviche e as roupas farrapos.
Tinha a tez muito escura e baça, mas não lhe parecia cigana.
Girava, desengonçadamente, sobre o seu eixo, e tentava arranjar meio de se levantar. Ora punha a mão no friso da porta, ora assentava-a no mármore do degrau impercetível, mas nada. Não se mexia dali. Mexer, mexer, só os olhos é que se mexiam.
E a menina olhou a senhora e quis tanto ajudá-la, mas tanto, mas tanto, mas, estupidamente, não tinha coragem.
Queria dirigir-se à pobre velha e dar-lhe a mão, mas os seus olhos não falavam e a sua mão não se estendia.
Maria sentiu-se cobarde e murchou logo ali.
Mas a velha viu-a. Como se fosse um anjo, a pobre velha, que era gorda e que cheirava tão mal, viu-a e chamou-a.
- Podes ajudar-me, meu amor?
E a menina ficou tão grande e inchada que correu para ela.
Não falou, pois era envergonhada, como já disse, mas, agora sim, estendeu-lhe a mão aberta e agarrou-a com valentia, que ela era maciça e pesava uma tonelada ou duas, no mínimo!
A velha agradeceu-lhe e a garota afastou-se, inchada, sem que ninguém notasse que tinha começado, de facto, a inchar, mas a inchar e a crescer tanto, que já não cabia nela própria!
Voava!
Maria voava e não conseguia descrever o quão feliz estava e quanto lhe apetecia gritar bem alto e chorar e dançar até não poder mais.
A rapariga chegou a casa, grande, enorme, assim, mais ou menos como a Alice no País das Maravilhas quando aumentava de tamanho e as pernas e os braços lhe saíam pelas portas e pelas janelas, e estava mortinha para contar à mãe o que se tinha passado.
Mas a mãe não reparou que a Maria voava e que o seu peito já não cabia na cozinha, largo, gigante, imenso.
- Vai mais é lavar essas mãos e vem já para a mesa!
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