28 de abril de 2013

José Saramago e uma sala vazia

         Por vezes, a arte surpreende-nos, emociona-nos, enche-nos de perplexidade, lança-nos uma rasteira, e, voilá!, uma simples sala vazia é considerada uma obra de arte. Temos de interpretar o mundo à nossa volta e reinventar o belo a cada momento. Saber fazê-lo distingue-nos dos outros animais; cria-nos uma alma, sentimentos e divagações; achamo-nos e encontramo-nos em nós.
   Quando alguém se refere à escrita de José Saramago, ouço muitas vezes dizer que ele não usa pontuação e que não sabe escrever. Todavia, José Saramago vai mais longe; usa, de facto, pontuação, mas preenche páginas inteiras apenas com vírgulas, sem um único ponto final (então e António Lobo Antunes não faz o mesmo??). O escritor não utiliza, realmente, pontos de exclamação ou interrogação ou mesmo travessões; a parte mais divertida, em que temos de fazer uso da nossa imaginação, é quando nos detemos nas vírgulas, que acabam por ser meras pausas na leitura, cabendo-nos a nós atribuir-lhes o valor que acharmos mais acertado e a personagem mais eficaz e verosímil. Temos de nos concentrar e resolver o enigma da pontuação, dar-lhe graça, entoação, credibilidade e um fio condutor, enfim, existência, propriamente dita.
    Se uma sala vazia pode ser considerada uma obra de arte, por que não podemos encontrar arte em meras vírgulas suspensas entre palavras cujo significado depende unicamente da nossa interpretação? José Saramago dá-nos o poder supremo de refazer a sua escrita e de encarnar nas próprias personagens; entrega-nos a tela, solenemente, em mãos e nós temos o privilégio e o gozo tremendos de a pintar com os gatafunhos dos nossos devaneios. 
http://modanosapatinho.blogspot.pt/
Obrigada, José Saramago.

1 comentário:

  1. Aos depreciativos críticos de Saramago eu apresento o novo acordo ortográfico,* com as devidas lamentações que me assistem...

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